em branco

memórias de um jovem rockeiro - epílogo - the union village band

crônica publicada originalmente em http://paulodauria.zip.net em 21/01/2007

Ontem (20/01/07) fui a um show do Lô Borges no Sesc Pompéia, as tietes usavam camisetas com os dizeres “Nós somos clubeiros.”
Fiquei pensando nessa reunião de talentos: Lô e Márcio Borges, Beto Guedes, Milton Nascimento, Fernando Brant, Wagner Tiso, Toninho Horta...
“Vento solar e estrelas do mar, A terra azul da cor do seu vestido. Vento solar e estrelas do mar, Você ainda quer morar comigo?” Pense, caro leitor, em uma lista pessoal com as dez mais belas canções brasileiras. Pensou? Uma não é do Clube da Esquina?

Os mineiros do Clube da Esquina são mágicos e foram um sopro de renovação na música brasileira. Assim como foram os baianos do Tropicalismo, os cariocas da Bossa Nova, os paulistas e paranaenses do Lira Paulistana, os pernambucanos do Mangue Beat.

É que o brasileiro não nasce, estréia. Brasileiro é artista mesmo. Do pagode ao rock de garagem, qual brasileiro não formou nas esquinas de sua juventude o seu próprio Clube da Esquina?

Eu tive o meu. Nas esquinas da Vila União, Freguesia do Ó, encontramo-nos eu, João, André, Davi e Izal. Todos mais ou menos poetas, todos mais ou menos músicos. Trocando idéias e namoradas; tocando violão na pracinha e sonhando com o futuro, “O sol daqui é a lua, A nossa escola é um bar, Abriram a porta do hospício, A cadeia virou motel... Psicotropólis, Psicotropólis, Aqui você vai pirar!”
"Psicotrópolis" foi nosso primeiro hit. Ia rolar um festival no Senac onde o João estudava, queríamos arrebentar, a idéia era fazer uma música meio Arrigo Barnabé (com minha irmã nos backing vocals), quebramos a cabeça, saiu Psicotrópolis, uma criação coletiva.

Depois, não me lembro mais os motivos, João e Izal, os mais "músicos mesmo" da turma, acabaram indo tocar Psicotrópolis sozinhos no festival.
A música ganhou versão acústica improvisada, virou um blues... e faturou o festival!

Mais tarde, cada um tomou seu rumo e o Brasil perdeu o The Union Village Band cedo demais.
João e Izal permaneceram na música. Formaram o "Leito de Pedra", que concorreu - e venceu - em vários festivais escolares.
Foram os "Beatles" da Freguesia, os "Rolling Stones" eram uma banda chamada "Óculos Escuros" que já tinha tocado no famoso "Café Piu-Piu", no Bexiga.


Atenção, esta crônica é baseada em fatos reais. Nomes, datas e locais podem ter sido alterados devido à avançada senilidade do autor.

memórias de um jovem rockeiro - 5 - discografia básica

Comecei minha coleção de álbuns de vinil em 1977, com “Entradas e Bandeiras”, Rita Lee e Tutti Frutti. – Embora a própria Rita já tenha declarado que não gosta deste álbum, ele segue sendo o meu preferido de sua discografia. Depois que abandonou as guitarras de Carlini, Rita nunca mais foi tão roqueira.

O álbum traz, entre outras, “Coisas da Vida” (que, ainda segundo eu mesmo, divide o posto de melhor canção de Rita com “Ovelha Negra”) e três canções co-assinadas por Paulo Coelho - sim, antes de ser um escritor medíocre, ele era um ótimo letrista de rock. (Não vai aqui nenhum julgamento de valor, pela fortuna que ele ganha eu escreveria filosofias muito mais rasas que as suas).

Em 1977 a maioria dos álbuns clássicos das grandes bandas já haviam sido lançados:

Led Zeppelin IV (aquele do velhinho com o feixe nas costas) é de 1971.

Deep Purple in Rock é de 1970.

The Dark Side of the Moon, Pink Floyd, é de 1973,

Eu poderia ter curtido minhas primeiras fossas ao som de Starway to Heaven, Child in Time ou The Great Gig in the Sky, mas por acaso foi com Tomorrow do King Crinsom, nos vocais, ainda, Greg Lake do Emerson, Lake & Palmer que derramei minhas lágrimas para Regina, minha primeira paixão, uma garota talvez dois anos mais velha do que eu.

Depois dela, muitas paixões vieram, e claro, muitas canções as acompanharam. Os nomes das paixões não veem ao caso, mas as canções são estas:

Catch the Rainbow, do Rainbow; Hotel California, (eu sei que o leitor já ouviu esta canção do Eagles duzentas vezes, mas alguma vez já notou que o solo de guitarras é na verdade um sensacional “duelo” de guitarras? Não? Então vale apenas ouvir duzentas e uma!); Mistreated, Deep Purple; Children of the sea, Black Sabbath; China White, Scorpions; Maybe, Janis Joplin; Soon, Yes.

Em algum dia na confusão da gaveta do tempo, caiu em minhas mãos uma fita com 4 músicas do Uriah Heep. Foi paixão ao primeiro acorde. Saí vasculhando as lojas de disco da Lapa e do Centro e montei quase toda a discografia da banda em vinil, mas aquelas 4 canções da fita eu não encontrava.

Aí apareceu o CD. As Lojas Americanas sempre tinham uma grande banca de promoção de CDs. Álbuns clássicos, que todo fanático por música precisaria recomprar em CD. Vasculhando uma dessas bancas encontrei ”Salisbury”. Uma capinha ruim, um tanque de guerra azulado... Não botei a mínima fé... Mas quando coloquei no cd player, lá estavam as 4 canções que marcaram a minha adolescência: “Bird of Prey", "The Park", "Time to Live" e "Lady in Black". Curiosamente, não estão relacionadas a nenhuma paixão.

Até hoje "Salisbury" é o único CD que tenho do Uriah Heep. - Tenho ainda todos os meus vinis, alguns cheios de pipocas, inaudíveis, mas carinhosamente guardados. (Mesmo porque, devo confessar, esses ouvidos velhinhos ainda preferem o som do vinil. O som digital me cansa, me dá dor de cabeça etc, mas o som analógico posso ouvir o dia todo).

Para terminar esta dicografia básica, uma canção e uma namorada para sempre gravadas em minha memória: “Angie”, Rolling Stones.

Será que ela ainda se lembra?

O Mistério do Samba



O samba não é carioca
O samba não é baiano
O samba não é do terreiro
O samba não é africano
O samba não é da colina
O samba não é do salão
O samba não é da avenida
O samba não é Carnaval
O samba não é da TV
O samba não é do quintal
Como reza toda tradição
É tudo uma grande invenção

O samba não é emergente
O samba não é da escola
O samba não é fantasia
O samba não é racional
O samba não é da cerveja
O samba não é da mulata
O samba não é playboy
O samba não é liberal
Como reza toda tradição
É tudo uma grande invenção

Não tem mistério
Não é do bicheiro
Não é do malandro
Não é canarinho
Não e verde e rosa
Não é aquarela
Não é bossa nova
Não é silicone
Não é malhação
O samba não é do gugu
O samba não é faustão
Não é do gugu
Não é do faustão
Sem mistério


Mundo Livre S/A

são paulo é o túmulo do samba... mas não fui eu quem matou!

São Paulo é o túmulo do samba...



Mas não fui eu quem matou!!!




Mulher do homem da cobra

(por Karla Jacobina)

Há pessoas que vêm ao mundo para ouvir, outras, porém, têm uma malagueta no lugar da língua. Eu vim ao mundo com o agridoce ofício de falar. As palavras são diamantes que cravejam minha boca e como toda jóia rara, é cara demais para aqueles que não sabem se desperdiçar.
Ouvir é boa maneira de gente grande, adestrado, que abaixa a orelha enquanto o outro relincha. Falar é coisa pra cotovelo, pra articulados. Eu falo pelos gagos, pelos mudos, pelos cansados e pelas paredes que só têm ouvidos.
Ofereço minha língua à guilhotina cada vez que falo o que sinto. Sim é liquidação, o que sinto e respondo à vida não tem preço nem possibilidade de negação.
Eu prefiro que as mãos do medo rompam minhas cordas vocais, mas nem por uma vez mais, lustrarei minha boca suja com balas de gengibre.
Se maturidade é isso, um trapo que nos amordaça diante do espontâneo, serei eternamente criança e encherei o ouvido do mundo de lágrimas se um dia tentarem calar meu choro.
Há pessoas que vêm ao mundo para ouvir, outras para falar e há aquelas que eu ainda não entendi pra que.

memórias de um jovem rockeiro - 4 - fábrica do som

tela de José Roberto Aguilar


Mais ou menos entre 1981 e 1984, anos em que cursei o colegial no Pereira Barreto, na Lapa, bem pertinho dali, o Sesc Pompéia fervia com as gravações do programa A Fábrica do Som, para a TV Cultura.

A gravação acontecia nas terças à noite. Juntávamos um grupo de amigos na porta do colégio e partíamos em caravana.
Curiosamente o Sesc e meu colégio ficavam, cada em um bairro, cada um em um extremo da mesma Rua Clélia.

A Fábrica do Som foi um daqueles eventos que nunca mais se repetirão, um daqueles acontecimentos que, por sorte ou destino, sintoniza o lugar certo, o tempo certo, o material humano certo.

O lugar certo era o Sesc, recém-inaugurado, arquitetura inovadora de Lina Bo Bardi, no bairro-berço do rock brasileiro.
O tempo eram os 80 e suas radicalizações na moda, nas artes, na cultura.
O material humano, público e artistas que cresceram à sombra dos anos 70 e “precisavam” mostrar ao mundo a que tinham vindo.
Sede + sede + sede.

Pelo palco da Fábrica passaram artistas consagrados e que viriam a se consagrar, Itamar Assumpção, Arrigo, Cida Moreira, Premê, Ira, Ultraje a Rigos, Barão Vermelho (ainda com Cazuza) etc etc etc e mais que tais.

Na Fábrica do Som vi (e me lembro bem!) Raul Seixas no palco. Visivelmente “alterado”, o pai do rock tocou apenas 2 ou 3 músicas, tudo em playback, e ainda por cima uma delas foi Plunct Plact Zum... (O Carimbador Maluco). Decepção total.

Melhor memória guardo de Aguilar e a Banda Performática. O artista plástico José Roberto Aguilar na época tinha uma banda nota 11 e tocava rock de primeira! (Dois ou três anos depois, fazendo pesquisa mercadológica no bairro do Bexiga, por duas vezes cruzei o caminho de Aguilar.
Um dia, completamente na sorte, bati na porta de seu ateliê para fazer minha pesquisa - sobre sabão em pó! Ele estava no meio da confecção de um daqueles seus grandes painéis coloridos, me convidou pra entrar, dei de cara com a tela e só então reconheci Aguilar. A visão daquela grande tela, ainda semipronta, me emociona até hoje.
Dois ou três dias antes ou depois, finalizando a mesma pesquisa, viajei pelas ruas do bairro ao som do ensaio da Banda Performática. O ensaio acontecia na garagem de um edifício nas proximidades de seu ateliê. O edifício ficava em uma rua alta, e som se propagava por todo o “vale” do Bexiga.

Voltando ao Fábrica, me lembro de um rapaz que se apresentou dentro de uma banheira, com um chuveiro ligado e tudo. Além da criatividade cênica, mandava bem no som. Saiu aplaudidíssimo.

Ah, como diria Gonçalves Dias, noites que não voltam mais! E como cantavam aqueles sabiás!

memórias de um jovem rockeiro - 3 - festival de águas claras

Walter Franco no Festival
Imagem http://aguasclarasfestival.blogspot.com


Junho de 1983, 17 aninhos de bagagem no submundo do rock, eis que surge uma nova edição do legendário Festival de Águas Claras. Eu, que não tinha ido em 1981, juntei minha turma, os trocados da mesada e: pé na estrada!

A grande atração do Festival seria Raul Seixas. Já uma lenda do rock brasileiro, estava programado, mas atrasado... Durante os dias de festival correram boatos de que o seu carro estava encalhado em uma estrada próxima, que ele estava chegando, que a produção já tinha providenciado helicóptero, mas não teve jeito, Raulzito não apareceu... Pelo menos era essa a impressão que eu tinha até hoje, quando, para refrescar minha memoriazinha mixuruca, fui pesquisar sobre o evento... E não é que o homem foi? Mas eu não vi!!!Deve ter sido na noite de minha primeira - e única - bebedeira brava.

Nunca fui de secar garrafas, mas, nesse festival, por uma noite, bebi tudo o que aparecia na minha frente - milhares de jovens reunidos em uma fazenda nas proximidades de Bauru, em um festival que se pretendia o Woodstock brasileiro - não foi pouca coisa que apareceu na minha frente!Pinga, pinga com mel, conhaque "Presidente", vinho "Natal" e "Sangue de Boi", champanhe!, e um vinho que estava muito em moda na época: branco licoroso.

O resultado desse coquetel foi um Paulo pedindo beijo pra toda garota bonita que encontrava pelo caminho. Não sei como não apanhei de nenhum namorado ciumento! Enfim, bêbado e com esse aprouch suicida, nessa noite fui dormir sem beijo e em uma barraca que nem era a minha... Errei a porta!

Curada a bebedeira, conformado com o mistério "onde foi parar Raul?", essas são as atrações que não esqueço: Walter Franco em primeiro lugar! Suas canções vijandonas, "De dentro pra fora, de fora pra dentro", apoiadas por um time de músicos de primeira, ditaram o clima paz e amor do festival. E mais Erasmo Carlos, Premê, Língua de Trapo, Egberto Gismonti, Sá e Guarabira, e, som dos sons, minha descoberta particular, mais chapante que o cheiro de maconha reinante no ar, o tudo: João Gilberto.

E, vale o registro, eu e um amigo conhecemos Laura Finocchiaro. Tranquilamente, como se não fosse uma das atrações do festival, a cantora comia nas barracas de comida destinadas ao público. Simpática e acessível, trocamos altas idéias musicais.

E teve também, desta vez mais pertinho de casa, no Parque Antártica, Estádio do Palmeiras, o Reencontro de Águas Claras.Ainda antes do show começar, fui com dois amigos comprar guaraná. Chegando no quiosque, um dos dois pediu cerveja, eu, maria-vai-com-as-outras, entrei na onda, "cerveja também!". O terceiro amigo, por sorte, preferiu o anteriormente planejado guaraná.

Por sorte porque, como não estava com cerveja no copo, foi o único que não foi pra cela do Juízado de Menores montada ali dentro do estádio mesmo. Correu para avisar a turma que estávamos presos e, depois de muita negociação por parte de nossos amigos, o Juiz de Menores concordou em nos soltar.

Que bom!, que a noite acabou sendo ótima! Arrigo Barnabé arrebentando com os clássicos de seu inexplicavelmente sensacional álbum "Clara Crocodilo", tão importante para os anos 80 como os discos de Chico Science e a Nação Zumbi foram para os 90. Nos backing vocals as maravilhosas Vânia Bastos e Suzana Salles.

No fim da noite, quase comecinho do dia, perdidos os últimos ônibus, eu e minha turma fizemos a pé o percurso de volta à Freguesia do Ó.


Pedaços de alguem perdidos na folia

Socorro!! Rei Momo se aproxima! Com seu terrivel bafo "sambóstico" e seus tentáculos "batuquentos" e de um mau gosto sem tamanho! Não vou viajar e não tenho TV a cabo, para uma diversão sadia e não-carnavalesca.
Só me restam a meia duzia de livros da "baciada" do sêbo, meus DVD's e CD's. Falando em CD's, anteontem virei ou achei que virei, adolescente de novo! Me vi pulando e rindo feito bobo, ouvindo "Led Zeppelin" e "Guns n'Roses"! Dei gritos agudos com Robert Plant, toquei "Air Guitar" com Jimmy Page e fiz a dancinha clássica de Axl Rose, coisa que não fazia a anos, desde que a banda estourou. Mas tudo isso, embalado pelas velhas musicas, já escrevi sobre o fiasco de "Chinese Democracy" em outra crônica, e só posso afirmar uma coisa: "Musica boa é musica velha!" A musica nova não passa de marmita requentada! Bom, voltando a dancinha, nem preciso dizer que não tive coragem de me encarar no espelho, calvo e gordo(e na real, não muito diferente do Axl atual)...
Daí, ontem, fui a Galeria do Rock, comprar uma camiseta nova...No caminho, parei numa banca de revistas usadas e me deparei com a edição encadernada da HQ "Badger-Alucinado", é sobre um super-herói com multipla personalidade, o cara é doido, sofreu abuso do padrasto, quando criança, deixando o trauma de Batman no chinelo! Sempre me interessei por personagens problemáticos assim, como o herói da Ópera-Rock "Quadrophenia" do "The Who"("Quadrophenia" seria a esquizofrenia ao quadrado, o personagem tem a personalidade dos quatro integrantes da banda) Então, depois de ler o gibi, posso dizer que a maturidade me ajudou a "digerir" melhor a estória, o que eu não queria enxergar na época em que a li pela primeira vez, hoje me aparece bem claro, eu não tenho multipla personalidade, mas sou um ser em pedaços, procurando a cola em coisas que já se passaram, ou na poesia. Na multipla personalidade do personagem "Badger", cada parte sabe bem quem é, já no meu caso, minhas "partes" já não sabem lá, muito bem! Quando estou reunido com os "Poetas do Tietê", me sinto temporariamente "remendado", mas depois, os dias que se passam são como enormes tesouras...E a proximidade do Carnaval, esta "festa estranha, com gente esquisita", como diria Renato Russo, "fazem-me" sentir "pedaços de alguem perdidos na folia"... Átomos aturdidos entre confetes e serpentinas... Tento reunir os pedaços nas folhas de papel, e jogar o enigma para o leitor que quizer decifrá-lo, em forma de crônica ou poesia...
Chegando na loja onde costumo comprar minhas camisetas de rock(é a mais barata, 17 reais, mas fica 15, se você paga com dinheiro)... Minha intenção era comprar uma do "Guns", mas eram muito espalhafatosas, com suas rosas e revólveres enormes, ou caveiras com cartola de Slash, ou ainda, a foto do Axl, com aquele shortinho de lycra! Daí, pulei o catálogo para a letra "L", e acabei escolhendo uma mais discreta, do "Led", branca, só o nome da banda e aqueles simbolos...Poisé, se fosse um novo adolescente, de fato, acharia aquelas camisetas do "Guns", o máximo!
Mas sou apenas um "pré-coroa" perdido...Me agarrando a sensações de prazer vividas num tempo que não volta mais, o "sexo, drogas e rock'n roll" deveria soar o mesmo, mas já não o é! O sexo, não existe há muito tempo, vivo o celibato forçado, e não o "voluntário", alardeado por Morrissey, na época dos "Smiths"... As drogas, apenas o "Ormigrein" e o "Engov", meus companheiros quando o assunto é comida gordurosa e uma cervejinha a mais, cortesia de um tempo em que enchia a cara com o vinho vagabundo "San Tomé", e depois vomitava numa pracinha perto de casa, com uma camiseta dos "Ramones" e um jeans todo rasgado. E o velho rock'n roll é o que resta! É o que penso, ao cruzar na Galeria, com um senhor careca, com um grande rabo de cavalo branco.
Se velhos somos, mais velhos ficaremos...Não podemos ir rejuvenescendo com os anos, como no filme "O curioso caso de Benjamim Button"...Me canso logo de pular ao som de "Paradise City", sento no sofá, com o peito ofegante e minha discreta camiseta do "Led", colada ao corpo suado, ligo a T.V. e levo um susto, com uma vinheta de escola de samba, e acabo minha noite de "volta a adolescência", resmungando como um velho!

o dia em que o samba morreu

foto: http aleoesp.files.wordpress.com
Foi assim que se assucedeu:
O samba desceu
Na rodoviária velha,
Aquela dos losangos coloridos.

Se vinha da Bahia ou do Rio
Ainda não se decidiu,
(mas isso pouco importa agora,
tivesse continuado em qualquer destas
abençoadas terras,
já teria tido
igual fim).

Sem conhecer ninguém,
Com a cuíca e a coragem,
Bateu de porta em porta
Procurando abrigo.

Era junho,
Paulistanos gélidos lhe franziam
O desconfiado cenho.

Dormiu por três dias na escadaria da Sé,
Perdeu primeiro a alma
Em seguida a fé,
Se vinha da Bahia ou do Rio
Ainda não se decidiu,
Na madrugada do quarto dia,
(me lembro bem, era quarta, quarta de cinzas)
Morreu de frio.

me diga com quem andas


Com quem andas, samba?
Eu lhe direi quem é,
Se é bom sujeito ou não é.

Se já apareceu na Bebe, no Frufru ou no Glutão,
Ponto contra, meu irmão.
Se for sujeito bonito, lindo ou belo,
Cuidado pra não acabar na prisão.
Baiano ou jogador de futebol
Só pensa em meter o tchan na jogada
Rebolada, rebolada,
Em troca de uma boa bolada.

Ai, ai meu Deus,
O que foi que aconteceu
Com o samba na alma do brasileiro,
O samba verdadeiro?
Com o ritmo e a poesia
Da caixinha de fósforo e do pandeiro?

Com quem andas, samba?
Eu lhe direi quem é,
Se é bom sujeito ou não é.

Fale comigo de homem pra homem,
Moço, pobre moço,
E fique sabendo já de uma vez,
- depois que você se chamar saudade
não vá dizer que eu não avisei -
Dentre todos esses arrivistas
O mais perigoso é o que chamam paulista,
Este ainda leva
O seu luar e o seu violão!

memórias de um jovem rockeiro - 2 - queen

Queen e Deep Purple eram minhas bandas de rock preferidas.
Na MPB, Milton Nascimento e 14 Bis. Preferia o som de Minas instintivamente, sem discernir ainda que essa "facção" da MPB era a que melhor processava a influência do Rock, especialmente dos Beatles.

Mas, dizia, Queen e Deep Purple eram minhas bandas de rock preferidas, por isso, quando se anunciou que o Queen viria ao Brasil, eu decidi: "precisava" ir.
Ainda mais que eu vos falo de 1981, nesta remota época as grandes bandas não se arriscavam abaixo do Equador - Deep Purple tive que esperar mais cinco anos para ver.

E olha que meu pai - preocupado com os rockeiros mal-encarados, com as más companhias, com as drogas - me ofereceu todos os discos do Queen em troca do ingresso para o show.
Não digo, "Ah, se fosse hoje!", porque hoje posso baixar a discografia do Queen "de grátis" pela Internet, mas "Ah, se fosse há cinco anos atrás!" Depois que passei dos trinta, dou um boi para não me meter no meio dessas multidões!
Mas em 1981 eu tinha 15 anos e Queen ao vivo, eu sabia, seria "o grande acontecimento da minha vida!"

A prefeitura disponibilizou ônibus "especiais" que saíam do Anhangabaú para o Estádio do Morumbi, palco do grande show.
Se ir da Freguesia ao centro da cidade já não era um passeio, se espremer nos velhos CMTCs lotados, então...
Mas fomos, estóicos como apenas os adolescentes podem ser, fomos. Eu e minha turma.

Dentro do estádio, reinava a mais completa calmaria. A lua cheia espreitando meus sonhos por trás de nuvens que passavam velozes.

Somebody to love, Love of my life, Bohemian Rapsody etc etc etc.
E, pairando acima de tudo – (meu pai, afinal, tinha lá sua razão) – uma densa nuvem de fumaça dos milhares de "cigarrinhos" que - (ainda que como fumante passivo) - devem ter contribuído minimamente para fazer desta noite um dos top-hits de minha vida.

Na semana seguinte, no jantar dominical de família, as já famosas pizzas na casa de minha madrinha, quem diria, as tias comentavam empolgadíssimas o show transmitido ao vivo pela Globo.

Uma delas, inclusive, jura que me viu entre os milhares de jovens da platéia.
Pena que não gravou...

são paulo é terra de rock

São Paulo, terra fértil,
em se batucandotudo dá:
São Paulo dá samba, dá jazz,
até lambada, veja você, São Paulo dá.

Mas São Paulo é terra de rock.
Assim como ninguém vai ao Rio para ver Ana Júlia
ficar ligeiramente grávida
graças ao bilau do ursinho blau-blau,
Ninguém há de vir a São Paulo
para ouvir pagoeiro mauricinho chorar
a chifrada da namorada amada.

São Paulo é terra de rock
São Paulo é mais londrina do que Londrina
São Paulo é mais londrina do que Londres ao longe!
Se eles têm Lennon e MaCcartney
nós temos Mutantes,
Se eles têm Sex Pistolsnós temos As Mercenárias
que são mais machas
que Sid Vicious e Mick Jagger juntos.

Vinicíus entendia do riscado
desde que aquele das onze partiu lotado
não chegou mais trem algum
na plataforma da Ipiranga com a São João.

Isto aqui é o túmulo,
é o cúmulo do samba!
E daí?
Não somos menos brasileiros por isso,
o Brasil é verde-amarelo-preto,
o Brasil é sobretudo cinza,*
é pandeiro, é maracatu, é punk!

O brasileiro é genial
Porque o Brasil é maior que o carnaval,
Porque samba é sole rock é garoa,
Porque samba é malandroe rock é urgente,
Porque o samba é praiae o rock é Marginal.

Dizem que o próprio Adoniram,
depois de tanto levar flechada do teu olhar,
encontrou a pazao tirar
aquele som dos Titãs.




* (São Paulo é o Brasil de sobretudo cinza,
Como bem traduziu o Ira:
"Nas ruas é que me sinto bem,
Visto o meu capote e está tudo bem
Está tudo bem")

aumenta que são paulo é rock'n'roll

Na Lapa o túmulo da minha família
Na Freguesia, da tua
Na Cachoeirinha, ossadas clandestinas
Vítimas da ditadura.

Na Consolação, a burguesia
Na Vila Formosa, mucamas, carpinteiros, diaristas
No Chora Menino, a poesia.

Túmulo, túmulo, túmulo do samba
Da banda de pífanos, do frevo, da ciranda
Do coco, do maracatu, do baião.
São Paulo não tem jeito
São Paulo não tem ritmo
São Paulo ninguém ama
São Paulo não tem palmeiras nem sabiá
São Paulo ninguém canta
Ninguém tem saudade
Ninguém abandona,
Pasárgada dos desgraçados
Dos esquecidos, da solidão.

São Paulo parece mentira
É tudo verdade,
Buzinas na marginal
Tiros na madrugada
Sintonia do caos
Sinfonia mal acabada
Mal amada
Desafinada
Peito sem coração.

São Paulo que não para
Fermenta, aumenta, aumenta
Aumenta que São Paulo é rock'n'roll!

unplugged

(Marcelo Ferrari)

se eu pudesse falar o que penso
diria vai toma no cu! (unplugged)
diria que o rei está nu
mas que ele não é capaz de perceber
porque a roupa está dentro dele
diria: o mar é bonito
diria: a mar é bonito
diria: é foda!
(com pedal de distorção)
diria: agora!
(com efeito de delay)
diria o que vovó já dizia:
que tem dias que é melhor ser minhoca
pra não pensar em deus
e ter medo do inferno
diria que é edifício mendes
mas que também não é
que sou eu
mas que também não sou
que é o céu azul
dois policiais e um jabuti
que sou eu
mas também não sou
mas é como se fosse
diria que nunca se sabe quando vai aparecer
a cachoeira da surpresa
e que é justamente por isto
que estou falando isto
que estou falando
diria que bemol é rosa branca
mato molhado
sonata de beethoven
suspiro em bolo de aniversário
noticia de morte de criança
mas sustenido
sustenido mesmo
e sentir rock and roll
e chorar pianinho

memórias de um jovem rockeiro - 1 - punk da periferia

Desavisado leitor, se vai se embrenhar por esta série de crônicas que começo hoje a publicar, devo alertar: os anos compreendidos entre minha sétima série e o dia de meu casamento são como uma grande gaveta desarrumada da qual vou tirando lembranças ao acaso.
São aí uns vinte, vinte e poucos anos de bagunça mental que vão mais ou menos de 1979 à 1991 e que correspondem ao mítico período da juventude.

Gilberto Gil compôs "Punk da periferia" (Sou um punk da periferia / Sou da Freguesia do Ó, ó, óuóuó / Aqui pra vocês!) em um dia qualquer perdido dentro desta gaveta.
Quando a música começou a pipocar nas rádios, sendo eu da Freguesia, meus amigos de "fora" inevitavelmente me questionavam sobre os punks da periferia.
A verdade é que a Freguesia tinha apenas 3 punks que andavam sempre juntos formando um grupo parecido ao do "Penadinho" do Maurício de Souza: um era manco e usava bengala, o outro era alto e magro e usava óculos, e o terceiro... bem, não me lembro mais do terceiro!

As tribos dominantes na Freguesia eram os "boyzinhos", que seriam os "mauricinhos" de hoje, e os "bicho-grilos", que se vestiam com batas feitas em casa com sacos de farinha ou camisetas brancas de bandas de rock. Eu fazia parte desta segunda tribo.

Creio que não por acaso as camisetas de bandas de rock nesta época eram brancas (e não pretas como hoje em dia), acontece que os "bicho-grilos" não eram apenas rockeiros, mas um pouco de cada de todas as tribos "cabeça" que existem hoje em dia. Nós curtíamos MPB, blues, jazz e qualquer outra música papo-cabeça que caísse em nossas vitrolas.

A grande responsável por esse ecletismo em nosso gosto musical deve ter sido a saudosa Bandeirantes FM. (Se algum dia, por um acaso do des-tino, você ouvir um tal de Billy Bond cantar "Ela levantou, saiu pela porta / Com a mesma saia que ontem usou (...) Mas quero vê-la outra vez / Ouvir Bandeirantes, ler Jornal da Tarde / Esquentar a minha cama", fique sabendo que era a essa Bandeirantes FM que ele se referia. Uma rádio que tocava de Frank Sinatra à Led Zepellin, de Chico Buarque à The Eagles em sua programação normal e ainda tinha programas específicos de música Latino Americana, Jazz etc e tal).

Não sei por onde andam os três punks da Freguesia, ainda moro no bairro, mas nunca mais os vi. Talvez tenham montado uma banda e se mudado para a Austrália onde hoje são celebridades locais, talvez tenham se vendido ao sistema e eu já não os reconheça no ônibus vindo do escritório, a gravata afrouxada, o suor minando de nossas carecas outrora gloriosas porta-estandartes de nossos falecidos ideiais.



Bob Cuspe, personagem do cartunista Angeli

RECIFE/OLINDA -> DESCENDO LADEIRA...


Recife
olinda
Descendo ladeira
Guararapes
Quatro cantos
Pitombeiras...

de pés descalços
rasgando o asfalto
vai caindo na brincadeira

elefantes
vassourinhas
Capiba
Zé pereira

o frevo rasgado
no Mercado da Ribeira
se estende além da quarta-feira

Homen da meia-noite
Mulher do dia
Bloco da saudade
Maracatu
Folia...

O Galo é da Madrugada

da nação Zumbi
Nação Pernambuco
Alceu Valença
Faces do Suburbio

Marco Zero
Varadouro
Tudo é alto astral
frevo
samba
côco de roda
metal...

Recife
Olinda
Carnaval
Multicultural...

Caranguejúnior -> êêê Saudade...

SÃO PAULO...O PUNHO DO BRASIL!!


São Paulo que arde
São Paulo sem cores

os acordes de suas Buzinas
os riffs do som urbano
metropolitanos
rodando...rodando

um Mosh no desconhecido
que arde
sem cores
São Paulo Hard-Core!

o Monóxido de cada dia nos dai hoje...

venenosa
Letal
São Paulo Trash
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Cidade Sólida
corações a mil...

São Paulo
O PUNHO DO BRASIL...

Caranguejúnior direto da lama...

eterna quarta de cinzas

Segunda, terça, quarta
quarta, quarta, quarta!
Em São Paulo é quarta-feira de cinzas todo dia,
todo dia o samba morreu,
todo dia.

Segunda, terça, quarta
quarta, quarta, quarta!
Eterna e sufocante quarta de cinzas,
como se o vulcão do Jaraguá,
modorramente desadormecido,
expelisse sua borra
aos poucos,
todo dia,
dia a dia,
- segunda, terça, quarta,
quarta, quarta, quarta! -
em cima da cabeça do paulista,
nos cabelos da paulista,
na salada,
no pintura da roda cromada,
no chão sala da dona de casa.

Em São Paulo só existe alegria no domingo,
depois da maCarronada com a família, antes do fantástico.
Você acha, meu caro carioca, que eu vou sambar neste par de horas?

My enbromation

A escola vai
passando...
Pela colorida avenida,
Meu estômago revirando...
Puto! Puto da vida!

Não tenho TV a cabo,
Apenas o pequeno som...
Não sei o que faço...
Boto "The Who", isso é bom...

"My Generation" vai tocando...
Eu penso: E minha geração?
Estou velho, os sonhos terminando...
Pulo ao som do som, em vão!

Canto no "enbromation"
que sempre cantei...
Enfim, termina "My Generation"
Ligo a TV, só tem o Baile Gay!

Morte ao ziriguidum!

O rock
nunca irá morrer...
Enquanto durar
o asco ao carnaval!
E o tédio
ao desfile das
escolas de samba!
Parem com a batucada!
Morte ao ziriguidum!
Mas, poupem as mulatas...
com suas lindas bundas de ébano!
Que rebolem no meu
funeral...
Ao som de um
solo de guitarra!

A Galeria do Rock

Perambulo...
final de tarde,
olhando as vitrines...
Galeria do Rock!

O skinhead
estranha o punk...
que estranha o headbanger...
e todos estranham o emo!

Mas, hoje...
Treta, só se for lá fora
Galeria virou shopping...
A mamãe leva o nenê...

O segurança
está de olho...
Vinil é raro e caro...
Já não há o charme underground!

Mas é o paraíso...
Perto de uma roda de samba,
com certeza!

gaitas de bob dylan

(Marcelo Ferrari)

o duque de quequequé
me pergunta se sou louco
não respondo que sim
nem que não

respondo perguntando:
que motivos me dá
para conjugar o mesmo sapato
vestir o mesmo alfabeto
beber o mesmo alfaiate
ter o mesmo alfinete
espetado no norte?

respondo perguntando:
qual a vantagem de aprender as partituras
de mozart, de bethoveem
de chopin, de strauss
e não apreciar
as gaitas desafinadas
de bob dylan?

respondo perguntando:
o que é melhor?
quéquiqué?
quéquiquo?
ou quáquáquá?

respondo perguntando:
por acaso existe dois iguais?
se existe
o que é acaso?
existe dois diferentes?
se existe
porque um mais um?

respondo perguntando:
quemquequé saber?
porquequé?
porque porque?

e depois...
não respondo mais nada.

tema rodoviária

começo - fim