em branco

Vivo pelo desejo

Quero sangrar
contigo
Esvair-me em dor,
Quero te entender
Ganchos em meus ombros
Lâmina na banha
Tambem quero saciar
os apetites,
Ficar exposto
no açougue,
Mas sempre atento
para os olhares
de volupia,
E as bocas salivando
Morto? Não!
Vivo pelo desejo
de quem me devora!

foi pra isso que essa vaca nasceu


Fria,
fatiada no supermercado,
descongelando em minhas mãos,
exalando devagarinho
o cheiro,
o cheiro de sangue
que não corre mais.
FOI PRA ISSO QUE ESSA VACA NASCEU
pra saciar essa fome
que o homem
não sente,
pra saciar o esquecido,
os não-sentidos
a fome morta.
FOI PRA ISSO QUE ESSA VACA NASCEU
fria,
em carne viva.

no mercado municipal



No Mercado Municipal tem barraca de tudo, frutas, verduras, grãos, temperos, carnes.
De segunda à sexta, pra compensar a pouca clientela, todos são amigos:
- Seu Alfredo! Tudo certin?
- Ó, Seu Castro! Tudo muito bem! E a Portuguesinha, hein?
- Vamos indo, vamos indo...
Já aos fins de semana, aquela correria danada, não sobra tempo para amenidades. Todos os sábados, Dona Berta por exemplo, a esposa de Seu Alfredo, o verdureiro, acorre o marido na barraca, que ele não daria conta da clientela sozinho.
Para besteiragens, no entanto, pouco tempo nunca foi entrave. Já não era de hoje que seu Alfredo notava os olhares compridos de Seu Castro, o açougueiro da barraca em frente, para sua esposa.
Aos sábados Seu Castro parecia dar duplo sentido a todas as observações que fazia para seus clientes.
Se um cliente perguntava, “A carne tá fresca?”, Seu Castro esticava os olhos para os lados de Dona Berta e respondia, “Tenra! Tenrinha!”
Seu Alfredo vinha oficinando esses cochichos do diabo há sábados e mais sábados. Mas vigiava a mulher com o canto dos olhos e nunca notou qualquer reciprocidade de sua parte. Então, deixava passar.
Até o dia em que, coincidência ou não, sua Berta voltava do banheiro toda conversinhas com Seu Castro. Seu Alfredo parecia que ia cozinhar um pimentão, ferveu-se por dentro. O tampo da cabeça feito panela de pressão pronta a explodir. Mas se conteve. Não tinha visto nada de mais e não faria cena à toa.
Mas eis que, cinco minutos depois, um cliente pergunta ao açougueiro, “Essa carne não está pálida, não? Não deveria estar mais vermelhinha?”, e seu Castro mandou esta, “Olha, carne vermelha demais é maquiagem, feito baton em mulher, - mulher aparecida, a gente desconfia... Carne é a mesma coisa! A boa é assim, recatada... Branquinha, mas firme!”
O sorriso tímido de Dona Berta parecia refletir o vermelho dos tomates da banca.
Ah, Seu Alfredo não se conteve mais e, em frente à gentarada, à fila para o pastel de bacalhau, aos clientes fiéis e aos desconhecidos, passou a mão numa berinjela e tacou certeira, direto nas ventas de Seu Castro.
- Quequéisso, querido? Ficou maluco?
- Não se faça de desentendida que eu vi! Já percebi tudo entre vocês!
Nesse momento, de posse de um bom naco de coxão-duro, Seu Castro avançava para a barraca de verduras.
O que se viu nos próximos vinte minutos entrou para o folclore do Mercado Municipal, voou pepino, alcatra; alface, picanha; couves e costelas, acelgas e patinho!
E os insultos?
“É muita mulher pra tu, verdureiro! Deixa pra quem gosta de uma boa carne aproveitar!”, Não tenho culpa que casou mal, tem tanta vergonha de sua mulher que nunca a trouxe aqui! Mas já vi a bruaca em fotos! Deus nos livre!”, “O que tem aí é um banquete! Tu não dá conta, não!”, “Ah, se dou! Você é que um safado a cobiçar a mulher alheia!”
Mas nem tudo foi perdido, em meio à batalha de legumes e carnes, muita gente passou a mão na mercadoria que de qualquer maneira acabaria perdida.
Seu Alfredo e Seu Castro passaram a noite na delegacia, onde, ocasionalmente voltam, para responder ao processo por desordem pública que respondem até hoje.
Dona Berta nunca mais voltou ao mercado, morre de vergonha.
Para ajudá-lo com o movimento de fins de semana, Seu Alfredo contratou Cinira.
De segunda à sexta o verdureiro e o açougueiro conversam sobre futebol, violência, trânsito e sobre as qualidades de Cinira. Menina nova, mas de carnes muito bem proporcionadas.
E essa história não para por aqui. Elielson, motoboy, já notou os olhares gulosos de Seu Castro e Seu Alfredo em direção à sua namorada.
Sábado que vem, quando ele vier lhe pegar na saída do trabalho, ela vai comentar, “Ai, sinto-me como uma peça de picanha na vitrine...”

Levem suas sacolas vazias... Vai sobrar coxão mole, filé mignon, rúcula, chicória e escarola pra todo lado!

'' CARNAL "


venha

com toda a fome que tiver

venha

com o garfo ou colher

venha

salivando

venha

me desejando

me abrace
me abra
me feche
me costure
me tempere
me misture
me cozinhe
me doure

eu te adoro

sacie o seu instinto
carnal
suas fantasias
seu carnaval

faça de mim
o seu duralex

encha-se do meu sabor
deguste-me devagar

mate a sua fome
sua fome de amor...





Caranguejúnior

antes da arte, a carne - tendal 20 anos

1)



2)

3)

4)
Há vinte anos atrás, um edifício reencarnou.
Um edifício reencarnar? Difícil acreditar?
Então, sigam meu raciocínio:
A essência do conceito de reencarnação não é que, cada vez que mudamos de corpo, aprendemos, caminhamos, evoluímos?
Pois foi exatamente assim com esse edifício. Apesar de ter reencarnado ao contrário, pois o corpo continua o mesmo, - sólido, cimento, ferro, concreto, - o espírito é que é novo.
Mudou tanto e tão radicalmente que, onde antes havia carne, hoje há arte. Antes da alma, a fome.
O edifício que era um matadouro de bois, reencarnou em um viveiro de artes.
Onde antes cuidava-se do instinto mais primal do ser humano, a fome, hoje sacia-se sua fome mais nobre, a fome pela arte e pela cultura.
5)
***
"Nosso tema de junho CARNE VIVA, remete aos 20 anos do Espaço Cultural Tendal da Lapa, comemorados neste mês. O Tendal, um dos mais democráticos e simpáticos espaços culturais da cidade, onde ministramos nossa oficina poética, a Papoetaria, e onde realizamos nossos saraus mensais (a cada último sábado do mês), funciona em um edifício tombado pelo Patrimônio Histórico onde outrora funcionou um matadouro. "

as carnes dela


A tia passeava no parque de sombrinha,
Braços dados, a tarde, com a sobrinha,
Quando, entre recatos e babados eu vi,
Eu vi um bocado das carnes dela.

Confesso, de longe, a seguia,
Mas não era meu intento,
Não sou tarado,
Sou um pobre apaixonado.

Foi o destino quem quis,
Aliado a uma rajada de vento,
Fazer-me assim feliz;
Daí esta elegia
Para sua pele macia.

Eu vi, eu vi um bocado,
Um pedaço das carnes dela!
Alteou-se a barra do vestido,
E - Ah, que carnes rotundas! -
Através do tecido lasso
Eu vi, eu vi sua canela!

a carne, uma ópera bufa

antropofagia tupinambá



1º Movimento - Andante
A carne é o cru do homem.
Pele, cabelo, dente, sorriso,
o resto é truque de maquiagem.

2º Movimento - Grave
Por baixo dos costumes bem cortados,
por baixo dos costumes refinados,
a carne, crueza do homem.

Por trás da linguagem empolada,
por trás do brinde à saúde,
nua, a verdade do homem.

A carne crua,
o homem nu.

3º Movimento - Vivace
Eu tenho pena é da vaca,
da galinha, do porco, do passarinho;
é só ter um bocadinho de carne,
que o homem se põe a lamber beiço.

Jacaré tem gosto de galinha com peixe,
tatu tem gosto de galinha com porco,
capivara tem gosto de galinha com vaca,
carne de gente é doce.
De onde vem tanta sabedoria popular?

Eu tenho pena é da vaca,
do carneiro, do cabrito, da rã;
é só ter um tiquinho de carne
que o homem se põe a babar ovo.

O que na Índia é sagrado,
no Brasil é bife.
Na França se come cavalo.

O que no Brasil é totó,
na Coréia é acepipe.
No México, iguana é Iguaria.

vaiformigafrita/cérebrodemacaco/
testículodecarneiro/olhodebode/
cobraaocurry/foca-morsa-zebra?
Vai! Vai tudo! O que vier o homem traça!

Depois é febre aviária, suína, febre da vaca,
vaca-louca, esquistossomose
colestorol, infarto, brucelose.

Aí, o homem reza a Deus!
Por que a Deus,
se a única fé do homem
é na fome?

Eu?
EU TENHO PENA É DA VACA!

4º Movimento - Adagio
Feijoada parece uma orgia de grãos,
mas é uma sopa de porco.

Caviar é para poucos,
mas não passa de ovos de peixe.

Dobradinha é nome chique
para buchada de boi.

Hambúrguer, esfiha
buraco quente, bolonhesa
é tudo carne moída.

Carpaccio é boi cru,
sashimi é peixe cru;
a fome é homem nu,
a gula, o homem-rei-urubu.

5º Movimento - Allegro
Quando o europeu descobriu o Brasil,
foi uma festa que jamais se viu:
português, italiano, espanhol, holandês,
destas nobres carnes um grande churrasco o índio fez!

inspetor raimundo

(por Ferrari)

Pela manhã, ao fiscalizar um frigorífico no subúrbio, Raimundo viu de longe uma pilha de carnes suspeitas. Examinou as peças e pediu ao açougueiro que jogasse todas no lixo, pois estavam imprestáveis.Foi então que o gerente surgiu e levou Raimundo pra tomar um cafezinho na esquina. O homem pagou com uma nota de cem e deu o troco pra Raimundo. Quando voltaram ao frigorífico, um milagre havia acontecido no local: as carnes estavam boas!

O fato é que Raimundo era inspetor. Não era santo. À tarde, na repartição, a secretária lhe deu um sorriso maior que o de costume. Examinando as coxas da moça, com o mesmo olhar que examinava um filé, Raimundo imaginou muito mais do que realmente viu.

No final do dia, a secretária veio lhe dizer que Dona Julieta estava procurando por ele. Raimundo subiu de escada, quando chegou no gabinete, viu que não só Dona Julieta, mas todo mundo já tinha ido embora. Desceu de elevador, e, ao sair, ouviu a voz da secretária na sala de reuniões: “Raimundinho… tô aqui te esperando!”.

O inspetor sentiu um calafrio na espinha. Percebeu que aquela história de “Dona Julieta” era só artimanha pra ganhar tempo. Aquele sorriso sexy durante a tarde não era a toa. A luz da sala estava apagada. Claro! Sem perder tempo, Raimundo tirou a roupa e entrou na sala de reuniões como se fosse quarto de motel.

A luz acendeu é: pá!... (rabéns pra você)...