em branco

pedra fundamental


Em 1928, na Revista de Antropofagia, um poeta até então pouco conhecido publica o poema que ainda hoje é lembrado como o grande divisor de águas da poesia nacional: "No Meio do Caminho", de C. D. de Andrade.
No mês de outubro comemora-se o aniversário de Drummond, e os Poetas do Tietê publicam suas variações sobre o tema "tinha uma pedra no meio do caminho".

NO MEIO DA INFÂNCIA
fernanda migliore

No meio da infância
estava a pedra,
novas matemáticas
outros jogos.

Mestres demais
ou fim da festa?
De repente,
nem dez brigadeiros me bastavam
nenhuma bola me rolava colorida
e os vestidos da menina eram
curtos pra mulher.

De repente - um só jogo:
Pula, pula, pula pedra!

No meio da infância
estava a pedra.
No meio do caminho,
do destino,
rola bola
pula pedra
brinca, brinca de pular.

PEDRAS DE DRUMMOND
marcelo tadeu

Ao Ler o Poema
Fiquei Imaginando
Ao viver, encontrei as pedras
Então, as tirei do meu caminho
E fui embora
Doce Ilusão
Aparecerem pedras novas

NO MEIO
caranguejúnior

I
No meio da pedra
tinha um caminho,
e foi por lá
que passei.

II
No meio da sala
tinha uma TV
e uma criança pálida
perdendo seu tempo

III
No meio da rua
pode-se encontrar
pedra, pó, erva...
e várias pessoas
sem esperança.

IV
No meio das ideias
Tinha um maracatu,
Tinha um maracatu
No meio das ideias
Então, não deu
Pra escrever linhas tortas
Nem pra eu
Nem pra tu
Só o
Ma
Ra
Ca
Tu

V
No meio da selva
havia pedras
Na selva de pedra
haviam meios
E o garoto com seu cachimbo
não encontrou o tal bom começo
Se perdeu entre as pedra.
É o fim.
(no
meio
do
começo
tinha
um
fim)

PÉTREA
paulo d'auria

A pedra de Drummond
é a maior pedra da história da literatura,
dura, dura, tão dura de engolir
aos puristas da alta-cultura

Mas não se faz literatura sem pedras,
não se faz arte sem pedras,
principalmente não se faz artistas sem pedras.
Poeta de flores e amores somente
não é poeta por inteiro.

Subo na careca pétrea de Drummond
e avisto ao longe.
Até onde
vai o caminho
sem fim.
MAR
paulo d'auria
falta um mar mediterrâneo
no meio da minha vida
falta um mar pacífico
no meio da minha tempestade de espírito
falta um mar atlântico
que me leve ao desconhecido

falta um mar
falta um mar
falta um mar
falta eu aprender
a nadar
NO MEIO DO DENTE
andré dia(s/z)?
No meio do dente
tinha um buraco,
Tinha um buraco
no meio do dente,
Tudo culpa da bala toffee
que arrancou a obturação:
Ai! Toffodido! Toffodido!

heterônimos do tietê

Ainda inspirados pela visita à exposição sobre Fernando Pessoa no Museu da Língua Portuguesa, os Poetas do Tietê criaram seus próprios heterônimos:

Maicon da Silva (andré dia(s/z)?) é engraxate, nasceu em 1982 em Capão Redondo. Pegou gosto pela poesia ao encontrar uma antologia de poetas em uma caçamba de construção, juntamente com centenas de livros escolares novinhos em folha, bem próximo a uma escola pública.
Tem o sonho de publicar um livro, mas antes pretende juntar um dinheirinho para poder comprar um terno e gravata, pois percebeu que colegas de profissão que se vestem melhor têm a preferência dos "doutor" na hora da engraxada.

O Pisante do Doutor
Eu engraxo
com gosto,
pois engraxar
é uma arte.
Lambuzo de graxa
o pisante do doutor,
que se acha importante,
me olha todo superior,
mas ele mesmo, coitado,
não sabe dar o brilho
que eu dou
nos sapatos que vão embora
pros lugares onde nunca
poderei entrar.

Eva Ruiz (paulo d'auria) é professora de geografia aposentada da rede pública estadual. Atualmanete ministra oficinas de cordel em bibliotecas municipais. Tem 65 anos, é divorciada, não tem filhos e mora sozinha. Já teve fantasias com suas alunas.

Só, neto
Passam-me as horas do dia
esperando por você,
passam sem nenhuma alegria
molhadas pela chuva fria.

E eu perscrutando os porquês
do amor, do desamor, das idas e vinda (vazias)
da primavera sem bouquets
do cinza no meio da vida

Mas viver não é isso apenas:
enquanto a vida foge,
eu a te escrever poemas?

Ou será mais? se for,
que seja sonho, delírio que me aloje
em tua cama, teus beijos, teu amor!

Seu Joaquim (marcelo tadeu) tem 55 anos e é auxiliar de limpeza.

O faxineiro
Um dia desses
Varrendo a calçada
Parei pra pensar,
Fiquei olhando os carros
As vitrines
As roupa e as pessoas
E observei:
Os meus sonhos para alguns
São tão comuns
Que fiquei assustado
Um pouco tonto e com medo,
Me sentei em uma cadeira
E perguntei ao amigo do lado,
- Será que tudo que passa
pela minha cabeça
é besteira...

José da Silva (caranguejúnior) é guardador de carros - flanelinha -, tem 37 anos e atualmente mora na Rua das Esquinas Quaisquer.

Viagem dos Sonhos
Não peguei o bonde
Que passou em direção à Felicidade
Fiquei aqui
Perdido nesta cidade
Esquecido

Meu trabalho de guardador
Quebra o galho durante o dia
Guardo a dor no coração
Guardá-la eu não queria

Como o pão
Que o diabo amassou
Leio as notícias
Do meu cobertor

Choro sozinho
Rio sozinho
E sozinho vivo
Conversando com a lua
Que me garoa

Esperto fico
Sonho com o dia
Em que o bonde retornará
E eu poderei embarcar
E seguir viagem