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Arte Para Mudar o Mundo



Na Papoetaria de 26/11, os Poetas do Tietê tentaram responder uma simples pergunta:


A Arte Pode Mudar o Mundo?





Imagem: tomaracidade.blogspot.com

Simples Poeta
Marcelo Tadeu

Ele queria mudar o mundo
atirou palavras para todos os lados
para todos os cantos
para quem escutasse
Foi criticado, foi adorado
foi esquecido, foi lembrado
Mudar o mundo era sua meta
Poderia o mundo ser mudado
por um simples poeta?

A Arte Pode Mudar o Mundo?
Paulo D'Auria

Claro! É só o Mundo ligar e contratar a "Arte Mudanças", empresa com séculos de experiência no ramo que conta com profissionais dedicados e treinados para desembalar com descaso as peças mais delicadas, garantindo mudança certa e radical.
Mas o Mundo não liga! O Mundo não liga pra nada! O Mundo é um senhor barrigudo de 4.000 ânus remoendo pequenos problemas enterrado na poltrona cheia de dentes com o controle remoto na mão que não se mexe nem com terremoto.
Entrementes a "Arte Mudanças" é empresa de vanguarda. Pró-ativos, seus funcionários de hora em hora batem na porta do Mundo, cagam no capacho de boas-vindas, explodem pop-ups no seu gúgou, inserem mensagens subliminares no comercial de seu refrigerante preferido e vão levando, salteadores saltimbancos, peça por peça do suntuoso salão do Mundo.
E, Mundo, no dia em que acordar sozinho, velho e rabugento com o controle fugindo das mãos, não venha me perguntar pra onde foi todo mundo. Ih, Mundo! Levante, role, corra atrás

Contraponto
Carolina Hermanas

Não somos donos do mundo,
Somos os poetas do escuro,
Seres livres a poetar
Sobre os pontos que incomodam.

Levamos palavras novas
Aos ignorantes sem conhecimento,
Mas não somos importantes,
Somos apenas poetas.

Conhecem a arte
E a desvalorizam,
Por não apresentar
Interesse algum,

Nunca mudaremos o mundo,
Somos apenas poetas,
Poetas do escuro
Tentando levar as pessoas para um lugar seguro!

Palavras Sóbrias
Caranguejúnior

1.
Com algumas palavras no Word
Os poetas tentam mudar o World

2.
A arte pode mudar
Um muro, uma calçada, um poste
A arte pode mudar
Uma fachada, uma paisagem, uma casa
A arte pode mudar
Uma avenida, uma cidade, um estado
A arte pode mudar
Um país, um continente, o mundo?
Os loucos creem que sim
Mas o coração dos Homoanimales Sapiens
Que rabiscam guerras
Grafitam desgraças
Esculpem a dor
Pincelam desespero...
Esse coração a arte não pode mudar
Talvez por isso, Deus tenha criado os poetas
Para ficarem fazendo
Essas perguntas

3.
A arte não pode mudar o mundo
Mas o mundo pode mudar a arte...

4.
Deus fez arte
Quando criou o mundo
Deus pintou o 7
Quando fez o homem

O homem fez bagunça
Quando fez as guerras

Deus fez os loucos
Para fazerem arte
E tentar consertar
A casa...

Porque eu preciso de um pouco de paz


Imagem: Trovadores na Idade Média


Na Papoetaria do dia 19/11, Carolina Hermanas, apresentou-nos ao Country, esse universo musical milionário norte-americano. Carolina leu para nós a letra de That September Day, de Alan Jackson (tradução abaixo). A ideia não era que fizéssemos um country, claro, mas que a letra servisse como um disparador de escrita. A sugestão de Carolina foi que, como muitas vezes as letras countrys são poemas narrativos, nós também contássemos uma história em nosso poema. Veja o resultado abaixo: 

Naquele Dia de Setembro - Alan Jackson (trecho)

Onde você estava quando o mundo parou de girar?
Naquele dia de setembro,
No quintal com sua esposa e filhos
Ou trabalhando em algum estágio em Los Angeles
Você fica lá em estado de choque
À vista daquela fumaça negra subindo contra aquele céu azul
Você quis gritar de raiva e medo para o seu vizinho
Ou você só sentou e chorou
Você quis chorar pelas crianças que perderam os seus queridos
E rezar para os que não sabem
Você se alegrou com o povo que andava entre os escombros
E chorou pelos que estavam embaixo
Você explodiu de orgulho para o vermelho, branco e azul
E os heróis que morreram apenas pelo o que fazem
Você olha para o céu por algum tipo de resposta
E olha para si mesmo e o que realmente importa
(Para ver a letra completa e ouvir a canção, clique aqui


Apenas Mais Um
Marcelo Tadeu

Um homem nascido para sofrer
Um homem marcado pelo destino
Sem amigos
Apenas um número
Apenas mais um
Faça sol ou faça chuva
Ele está ali, caçando o que comer
Como um animal na floresta
Faça sol ou faça chuva
Ele está ali, procurando um lugar para dormir
Um homem sem nome
Sem motivo algum para viver
Faz o que faz
Simplesmente por fazer
Simplesmente um homem
Tentando não morrer


Ser do Outro Mundo
André Dia(s/z)?

 
Enterrou-se no sofá,
deu as costas para a mãe:
Na tela da TV
rolava o desenho animado,
e para a infância foi transportado.
O Fantasminha Camarada
chorava a solidão
e o homem já calvo chorou junto,
chorou aquela metáfora da intolerância,
da exclusão àquele que é diferente.
A mãe ficou brava,
“Onde já se viu homem chorar com desenho?”
Ele, como o fantasma, esgueirou-se
e mergulhou nas trevas
conformado com sua condição
de ser do outro mundo,
O Mundo dos Poetas.


um minuto antes
Paulo D’Auria

 
eu estava no avião um minuto antes
sabia pra onde íamos
eu dava as ordens no avião um segundo antes
depois disso
o tempo parou

10 homens choravam
11 mulheres rezavam
8 crianças gritando
14 pares de olhos perplexos
somando somando até fechar a conta
o avião lotado
eu distribuindo as cartas
marcadas até uma fração de segundo antes
depois disso
o tempo

a primeira torre já era um rolo de fumaça
a torre nº 2 crescendo no vidro do avião
abri bem os olhos para ver
eu não erraria o alvo

eu estava dentro do avião um minuto antes
depois disso
e mesmo agora
quando você olha para o lado
quando você não me vê ao seu lado
quando você tem medo
e quando você nem imagina

eu estava lá naquele dia e agora
aqui
penetra da sua festa
10 homens se gabando
11 mulheres ostentando
8 crianças rindo
14 pares de olhos contemplativos
sorrindo sorrindo até fechar a conta
o país inteiro

eu estava no avião um minuto antes e agora
nesta fração de segundo e depois disso
dentro
do tempo


 
Um Pouco de Country, Por Favor!
Carolina Hermanas

Ela chorava quando olhava pela janela da sala
A chuva caindo bruscamente em meio ás pessoas,
Que caminhavam pela calçada cintilante de água pura.

Vestiu seu casaco grande,
Mas esqueceu do guarda-chuva,
Gostava de ser livre,festejar na rua!

Esqueceu do seu medo de amar,
Esqueceu de tudo que a fazia chorar,
Focando apenas na vontade de encontrar.

Encontrar uma válvula de escape,
Encontrar um quadro pintado de azul,
E não uma mão áspera,estúpida,
Desenhando um coração preto.

Ao lado dum poste vibrou junto á música,
Uma melodia suave ficava com a segunda voz,
Sendo a primeira o som da chuva.
Perguntou para o senhor o quê era
E ele respondeu : - Country.

A chuva cessou e o som se esvaiu.
Por um segundo,
Esqueceu dos problemas,
Encontrando um meio de distrair-se.

Aproximou-se do senhor novamente:
— Toque — disse a menina.
— Por quê? — respondeu o velho, tocando seu violão.
— Porque eu preciso de um pouco de paz. Um pouco de country, por favor!

Poetas catadores, catalegrias, catapaixões...

Imagem: henriquecorreia.blogspot.com

Na Papoetaria de 12/11, André Dia(s/z)? leu o surpreendente conto de Álvaro Cardoso Gomes, “Achados na Praia”, em seguida, sorteou entre nós alguns sentimentos. A ideia era que cada um escrevesse sobre o sentimento sorteado como se este fosse um objeto recém encontrado pelo poeta. E mais, com a proibição de citá-lo no texto. Veja só no que deu:  


Achados na Praia
de Álvaro Cardoso Gomes
(trecho) Leia na íntegra em na Revista E, clicando aqui
 

Tenho achado coisas interessantes na praia. Outro dia, encontrei uma mulher boiando no riacho. Em meio a caixas de papelão, latinhas de cerveja, garrafas de refrigerante, sacos de lixo, ela se deixava levar em direção ao mar. Quando empacou num banco de areia, resgatei-a das águas e dos detritos.
Estava imunda e mal lhe podia divisar os traços. Levei-a, então, para casa e, com detergente, sapólio e uma grossa bucha, consegui tirar as manchas de óleo e barro. Depois que lhe dei um banho, usando sabonete e xampu, reparei que era muito bela. Tinha a pele branca, quase transparente, os cabelos loiros como o trigo, o corpo pequeno, os seios miúdos e pernas longas. Mas o que mais me encantou foi a boca vermelha como um morango(...) (para terminar de ler o conto, clique aqui)


Madrugada
Paulo D’Auria

“Se é macumba, chuta!” Diziam os garotos da minha vila. Mas eu via as balas, a pipoca, a canjica, e pensava: “Chutar? Por que a gente não come?”
Pois ontem de madrugada, voltando para casa, dobrei uma esquina e chutei, sem querer, mas com força, uma macumba. Tudo pelo chão: pinga cheirando, tigela partida, ebó esparramado. E um charuto rodopiando pelos ares em câmera lenta.
Com o chute, subiu, deu duas ou três voltas na frente do meu nariz, e caiu, chovendo brasas pela calçada. A fumaça ficou pairando no ar.
Fiz conchas com as duas mãos, capturando-a, e levei a órfã para casa. Lá, guardei-a num vidro vazio de palmito.
Deitei, mas não conseguia dormir em paz. Talvez (a voz da garotada ecoando no tempo) tivesse aborrecido alguma entidade, que agora me punia com insônia e angústias.
Fui buscar o vidro. A fumaça parecia se adensar. Era como se o charuto inteiro tivesse queimado ali dentro.
Liguei a TV para esquecer: “Fala que eu te escuto”, “Disque-amizade”, “Gincana eletrônica”. Eu não estava vazio o suficiente para encarar as bizarrices da madrugada com humor.
De soslaio, olhei para o vidro no criado-mudo. A fumaça se adensando mais e mais. Não era nenhuma entidade que me assombrava, era ela, a fumaça, viva, tumor sob a pressão da tampa rosqueada.
Encarei-a de frente, eu sabia o que tinha de fazer. Abri a tampa e traguei a fumaça toda de uma vez.
Eu não estava vazio o suficiente. Ali dentro, ardendo, era como se o charuto inteiro tivesse queimado.



Coração de Cristal
Marcelo Tadeu

O que tinha dentro daquela caixa
Jogada no lixo
Que brilhava tanto?
Me aproximei ainda com medo
Peguei a caixa com receio
Quando a abri
Para a minha surpresa
Eis que surge
Um objeto tão essencial
Um coração de cristal
Muito estranho
No lixo
Um símbolo
Uma representação
Um objeto
Tão bonito
Baseado no qual
Todo homem
Toma sua decisão


Braços
André Dia(s/z)?

Cabisbaixo
andava
debaixo do céu cinza,
chutou algo que rolou
até a sarjeta.
Limpou as camadas de lama
das pontas,
enfiou no bolso,
foi pra casa.
Lavou,
começou a brilhar.
Sorrindo
correu até o quarto
pendurou em cima da cama
e ficou olhando
o brilho das pontas
se tornarem braços
que embalaram seus sonhos.
Eram os braços da mulher amada
perdida num tempo longínquo
personificada agora
numa simples estrela
de papelão dourado.



Caneca de Chá
Carolina Hermanas

Entro na loja de penhores
E o encontro no meio da bagunça,
Empoeirado num canto.

Brilha como um cristal
E me olha como um diamante
Não resisto, olho na mesma direção,
E compro.

Chego em casa saltitante
Com o novo brinquedo,
Dou para ele um pouco de água
E observo seu movimento uniforme.

Borbulha de um jeito único,
Eletrizando-me ao encostar-se em mim,
Esquenta meu semblante com seu calor,
E derrama-se sobre meu corpo.

Em tempo: Paulo D’Auria escreveu sobre a Dor, Marcelo Tadeu sobre a Razão, André Dia(s/z)? sobre a Alegria e Carolina Hermanas sobre a Paixão.

Arqueologia - Escavando Poesia


Imagem: capa do álbum "Para los
arqueólogos do futuro"  de 1989,
da banda chilena "Congreso".

Na Papoetaria do dia 5/11, a partir do poema "Dino", do poeta Pipol, e de duas frases, de Foulcaut e Stephen King, tentamos ligar uns pontinhos soltos da História.


"Os acontecimentos na arqueologia das ciências humanas são acontecimentos-limite, anunciam os derradeiros momentos de algo prenunciando o surgimento de outra coisa" - Foulcaut


“O trabalho do escritor é conseguir tirar cada osso do solo sem danificá-lo. Às vezes o fóssil que você desenterra é pequeno, uma concha marinha. Às vezes é enorme, um tiranossaurus rex. – Stephen King


Dino (Pipol)
Equipe escavando na América do Sul
encontra os restos fósseis do que seria
o maior dinossauro que já existiu.

 
Cientistas renomados da América do Norte
não medirão esforços para provar que,
embora maior e certamente muito mais forte,
o novo dinossauro não era carnívoro,
e sua agressividade nem chegava perto
da do Tiranossauro Rex,

 
o dinossauro favoritos dos garotos
da América do Norte.

Passado Moderno
Carolina Hermana

Quem vive de passado é museu,
Monalisa, Leonardo da Vinci,
Retratos velhos e quase esquecidos,
Deixados de lado. 

Não importa com quantos paus se faz uma caverna,
Modernidade traz à tona luz de graça,
A internet abençoada conecta o mundo,
Ocultando de vez o envio de cartas. 

Ser ou não ser?
Fazer ou esquecer?
Protestar ou dormir?
Reclamar ou agir? 

Escrevam poesias,
Pichem palácios,
Reclamem rebeldia,
Não elogiem os palhaços.


sobre palitos, deditos & doritos
Paulo D’Auria 

eu vi a pintura rupestre na televisão
os homenzinhos palitos caçando com suas lanças palitos
grandes animais palitos do paleolítico
e eles (já) moravam no morro onde
faziam fogueiras cantavam trepavam
e desenhavam suas grandes façanhas na rocha
para a posteridade ver 

(e 40 mil anos depois não é que eu vi
eu vi o pablo picasso palito na televisão) 

a vida na pedra era dura
fazia inverno quando devia fazer verão
mulher se caçava na clava
(a vida na pedra era dura)
o deus sol era inclemente
(fazia verão quando devia fazer jardim de inverno)
e nem tinha inventado ainda a tal redenção
a vida / na pedra era / dura 

feliz de minha vida mole engoli
a o último gole de cocacola e sorri
espanei as migalhas do colo
passei perfume
conferi a hora
e saí 

lá fora o menino palito estendeu seu bracinho palito
e me entregou seu bilhete rupestre neo-neolítico:
tenho 6 irmãos
meu pai foimbora di casa
minha mãe impregada istá disimpregada
pregada
pregada na cruz palito da vida palito
com seus bracinhos palitos abertos 

acho que perdi
a loco
motiva
o trem bala
da história 

voltei para casa e tranquei
a história a porta a razão do lado de fora 

mas a frase de um velho de 90 anos que trabalha na roça
batendo na porta da minha cabeça pedra:
“a vida é dura pra quem é mole!” 

eu / sou / mole / mole / mole
de marré marré marré

futuro do presente
Paulo D'Auria

na arqueologia do futuro do presente os arqueólogos vão desenterrar a os ossos e os ossos e mais ossos da nossa cabeça vazia oca sem cérebro que o pouco os insetos já terão comido devolvido à terra na forma de limbo digo húmus na arqueologia do futuro do presente os arqueólogos vão desenterrar os nossos cocôs junto à fogueirinha de papel e calcular os anos pelo carbono 14 dos carros escapamentos de banco de couro e concluir que éramos contemporâneos moradores das cavernas viadutos e dos autómóveis de aço luxo na arqueologia do futuro do presente os arqueólogos vão cuidadosamente tirar o pó dos ossos de nossas cabeças ocas insossas e levantar a questão que ecoará através dos séculos o que afinal nós estávamos pensando?


Essência Envenenada
André Dia(s/z)? 

Achei meu coração
enterrado no cemitério dos velhos sonhos,
já não batia como antes
mal podia reconhecê-lo
cada fraca palpitação
era um código Morse
que já não me dizia nada.
Os anos 2000 não são coloridos
como os desenhos dos Jetesons,
a revolução industrial
mastigou com seus dentes metálicos
cada vestígio da frágil semente,
bolhas esverdeadas de sabão
estouram todos os dias,
o índio mata para comprar drogas,
enterro de volta meu coração.
Quem sabe,
quem sabe um dia
o desenterre para um transplante,
esta troca tão sonhada
da inocente essência envenenada