em branco

Onde Jesus Esteve




Na papoetaria de 15/10, André Dia(s/z)? leu dois trechos bastante provocativos do livro “Os Cães Ladram – Truman Capote”:

1) “Vi uma vez o aviso numa porta, no bairro do Irish Channel: “Entre e veja onde Jesus esteve.”“O que é?” Disse a mulher que abriu a porta quando toquei a campainha.“Eu queria ver onde Jesus esteve”, expliquei, e por um momento ela pareceu perdida; seu rosto enrugado e branco como marshmallow; não tinha sobrancelhas, nem pestanas e usava um quimono de algodão fino. “Você também, querido” ela disse, e o riso farto fez seus seios fartos balançarem.“Mas você é muito pequeno para ver onde Jesus esteve.”
2) "Eles se sentem compelidos a provar algo, pois a classe média norte americana, da qual a maioria provem, reserva palavras cruéis para seus homens sensíveis, para os jovens inteligentes ousados que não provam imediatamente que seus dons rendem dinheiro vivo. Mas, quando uma civilização acaba, é dinheiro o que os sucessores procuram nas ruínas? Ou é uma estátua, um poema, uma peça?”

Confira, a seguir, o resusltado destas provocações:


Penetra
Paulo D'Auria
entre
entre e veja
jesus já

na fila
do sus

abra
abra os olhos
e deixe
a luz de jesus cegar


le ia
jonas na ba le ia
já lia
a bíb lia



levante a cruz
levante
levante a lona
e deixe o pequeno penetra entrar

clã
clan/destino

qué que temdeixa o menino cristo
dar suas gargalhadas
também
neste circo
deixe ele rir
com o palhaço ensinado
e as inflantes piruetas do elefante
infante
infantaria
derrube
derrube
à lona
o fraco
noucaute out out
lá lá lá
onde jesus esteve
ondeondasordas
um dia
também
lá tão bem
serão felizes
sorria meu bem
só ria
amém.



Onde Jesus Esteve
André Dia(s/z)?
Me lembro
de quando pequeno
procurar onde Jesus esteve,
mas não encontrei nenhuma pegada
nenhum indício,
Jesus era o homem morto na igreja?
A quem as velhinhas
botavam moedas na caixinha do altar?
Vi que não era,
Vi que Jesus era
O colorido das flores
A fofura da nuvens de algodão
A graciosidade
da menina mais bonita da escola,
Para mim
Jesus era a poesia
com que impregnei
meus primeiros e toscos versos
e que ainda faz
com que movimente esta caneta,
Jesus não é uma recompensa material,
Ele é o contrário
de tudo que se dá valor aqui,
Jesus é o sorriso
que me brota nos lábios
ao assumir minha condição de poeta
num mundo que escarnece
de minha escolha.


Grande Poeta
Marcelo Tadeu

Jesus Cristo mudou o mundo com seus poemas verdadeiros.
Um grande poeta reconhecido depois de morto, mas vivo na memória de cada um de nós.



Onde Jesus Esteve
Marcelo Ferrari



Prega com o palito.
Não tem palito!
Claro que tem.
Não tem, tô falando.
Vou prega com a mão.
Não! Com a mão não!
Economizei
mais de um mês
pra comprar este naco.
Com a mão você não prega!
E como vou prega?
Com o palito!
Não tem palito.
Claro que tem.
Onde? Meu deus!
Pergunte ao seu filho.
João Batista?
Não! Jesus Esteves!
Jesus, venha cá?
Onde está o palito?
Tá na despensa, pai.
Pregue lá!
E volte logo:dois palitos.
(...)
Cadê o moleque?
Onde Jesus Esteves!
Onde logo!
Onde logo!
Senão vou ter que
lavar as mãos.

poeta objeto




Na papoetaria de 8/10, Caranguejúnior sugeriu que escrevêssemos todos como se fôssemos objetos.
Quer dizer, escrever a partir do ponto de vista de algum objeto.

Para ilustrar a ideia, passou seu "Poema Souza Cruz", em que o narrador é o cigarro de Clarice Lispector:

Sonhei que era o cigarro de Clarice
Toda vez que ela tragava Minh’alma

Via as palavras brincando em sua boca
Formando versos de fumaça
Seus pulmões eram o Playcenter
Hopi Hari, Happy Air!!
Toda vez que ela soltava-me
Meu espírito voava como poesia ao ar

Sonhei que era o Cigarro de Lispector (a Clarice)
Ela estava sentada
Em sua poltrona na sala
Pensamentos longínquos
Fumaças ao ar
Não havia nenhum passivo fumante
Que pudesse me inalar e estragar
Aquele instante vicioso. Ela e eu, só.

Sonhei que era o cigarro da Lispector
Eu, entre seus dedos
Morria devagar
Manchado de batom
Definhando aos poucos.
E ela nicotinamente relaxando
Sua brilhante mente
Brilhantemente...

Sonhei que era o cigarro de Clarice,
Aquela flor de Liz(pector)
Observei-a escrevendo um poema
Um poema sonhador, um poema Souza Cruz
E meus olhos em brasa de mero cigarro aceso.

Sonhei que era o cigarro de Clarice Lispector
Foram três minutos de ápice
De repente, Morri...
Deixei restos de mim em seu ser.

Enfisemas poemas taquicardias poesias
Acordei suado e amando
Pois naquele cinzeiro
Que ela me apagou
Existiam vários "eus" depositados
Que foram extintos em seus lábios


Agora, vamos ao resultado deste exercício

Caneta de Vinicius
Marcelo Tadeu

Sonhei que era caneta de Vinícius
E que estava entre seus dedos
Somente eu sabia seus segredos
Já era de madrugada e falávamos de seu novo amor
Vinícius estava animado
Minha tinta escorria pelo papel
Estava meio cansado
Mas aguentei firme
Sob seus dedos
Pois queria saber de toda história
Mas uma coisa horrível aconteceu
Minha tinta acabou
Uma tremenda decepção
Já que nem o fim da história
A outra caneta me contou

Amo sua Dor
André Dia(s/z)?

Todo santo sábado
Lá vem ela me visitar,
Depositando rosas aos meus pés.
Meus olhos duros contemplam os seus
Tão tristes e marejados.
Meu dedo apontado para o céu
Tenta lhe falar de esperança,
Que um dia irá reencontrá-lo,
Mas ela parece não entender
E soluça debaixo de minhas asas rachadas.
Mas, ao mesmo tempo, amo sua dor
Que rompe assim, esta solidão
Esta existência imóvel
De anjo de cemitério.

A Pedra
Caranguejúnior

Sou uma pedra
e por ser pedra
tenho alma de pedra
coração de pedra
e sentimentos de pedra

Mas garanto
não sou desumana
como vários seres "humanos"
que matam, roubam
e plantam a semente do mal

Estou aqui no seu quintal
estagnada, observando tudo:
das mais belas
às piores coisas

Já vi tantos fatos
que rolou no meu olhar
de pedra, uma lágrima

Meu desejo, neste momento
é voar e voar e voar...
Pode parecer estranho
esse meu desejo de pedra
Mas te digo, as pedras voam!!
Sim, basta você dar uma
mãozinha...

Senhora
Paulo D'Auria

O seu peso e o seu desprezo diário.
Só me olha quando está triste, mas não me vê.
Na alegria passa saltitante,
No inverno me cobre, me esconde,
No verão, me procura para dormir,
Aos domingos, cuida de mim, me acaricia com panos
me encharca de perfumes, me dá banhos
e, no fim, deixa cair sobre mim
uma gota de suor.

O seu peso e o seu desprezo
sou teu chão
você é minha dona
e senhora.

A Mais Bela
Paulo D'Auria

Você. Garanto. Não existe ninguém mais
nem mais bela nem mais feia
nem mais gorda nem mais magra
mais perfeita
ou mais burra
(olha para mim
mas só consegue ver
você você você)

Eu, todos os dias
e você nem percebe.
Dentro de mim, trago você
e você nem percebe.

Te estudo, copio, persigo.
Só com você
não sou vazio.
Tudo que fiz de minha vida foi te servir
e agora este palhaço entra em seu quarto
e te humilha
e vai embora
e é em mim que você desconta

É em mim que joga o vidro de seu perfume
mais vagabundo e favorito
me deixando em cacos
estilhaçado

Te entendo
e te perdoo
ainda é a mim recorre
neste teu último voo

É com meus pedaços que
num impulso
rasga os pulsos

morremos juntos.