em branco
De Poetas do Tietê

O próximo encontro (físico) dos Poetas do Tietê será no dia 27 de setembro (sábado), as 10:30 na feira do estádio do Pacaembu. O ponto de encontro é a banca de revista em frete o estádio. Se você também é poeta de Sampa e quer participar com a gente na produção do material do mês de outubro, ou mesmo, se quer apenas aproveitar a oportunidade pra bater um papo, comer um pastel e beber um caldo de cana, aparece por lá.

virgular avenidas

(Marcelo Ferrari)

que não seja imortal
que não seja ipod
que não seja ivete sangalo
que não seja itaquaquecetuba
posto que é virgula
mas que seja infinito (vírgula)
veranito (vírgula)
invernito (vírgula)
primaverito (vírgula)
outonito (vírgula)
enquanto (três pontinhos)
pois é obvio (exclamação)
pois é obvio pô (exclamação)
pois é obvio poeta (dois pontos)
o que é imortal
não tem (ponto final)

claustrofobia

(André Dias)

Não consigo respirar...
Cheiro de suor...
Todo mundo apertado!

Quero pular pra fora...
Longe demais, à pé!
Ela usa vestido florido...
O bumbum estica uma margarida,
Já me acusaram de perversão...
Apenas gosto da palavra "bumbum!"Faz tremer os beiços!

Mexe a ponta do guarda chuva...
No meio dos dedos do pé, esmalte vermelho...

Ela diz: "Tenho o que você quer!"
Mas diz na minha cabeça...
Sem mexer os lábios,
Elas nunca mexem os lábios!

O gordo encosta no meu ombro,
E eu, agoniado, tambem gordo...
Amasso a senhora ao meu lado!

O ônibus é um amálgama...
De atração e repulsa,
Corpos que desejam e odeiam...
Num grande corpo de metal,

Sufocante, apertado e...

Deus! Este cheiro de suor!

Lotação


Chuva lá fora. Os vidros fechados, embaçados. Junto ao motorista uma loirinha tingida brincava com seus cabelos e seios úmidos e apertados dentro de um sutien maravilha.
O motorista, loiro de verdade, o cabelo espetado, parecendo um soldado de filme americano. Mas o R forçado denunciava: era do interior do Paraná.
Vai ver a menina dos cabelos molhados pensava que seu filho poderia ser loiro de verdade também.


Sento em um banco quebrado, mudo. Nisso, três pivetinhos percebem que os bancos são reclináveis. Começam a fazer todo tipo de malabarismos possíveis.
Entra outro garoto, tão pobre como estes, um pouquinho mais velho (talvez), vendendo cartelinhas de bala. Os três pedem uma de graça. Ele dá. Uma menina compra uma cartela cor de rosa, combina com sua blusa.


Os três pivetinhos comentam que, na novela, um garoto igual a ele (ou seja, igual a eles), só que menos preto um pouquinho (afinal, era o mundo da novela) roubou o cobrador de um ônibus mas conseguiu fugir da polícia.
O vendedor de balas não vê graça nenhuma e vai embora.
Também vou, meu ponto está chegando.


O microônibus segue carregando seu micro-universo cidade adentro.
Desço no meio de janeiro, a chuva não vai parar tão cedo.

Texto originalmente publicado em http://www.arte100.net/portal/ em janeiro de 2008.

Circular Avenidas



(Rogerio Santos)

a patroa
chamou minha sogra
pro jantar
(de novo?)

a inxirida da véia
tratou de pentelhar
(telefone à cobrar)

- imprestável !...
...qual ônibus
tenho que tomar?
(eu mudei de barraco)

naquele instante
foi quando a idéia me ocorreu:
(hoje eu vou me livrar)

- pega o Avenidas
e vai até o ponto final
(acho que vai demorar)

já vão três dias
e ninguém mais ousa perguntar
(acertei no milhar!)

a jararaca,
virou balaústre do busão
(ligação à cobrar...)

no banco dos bôbos
que nem um boneco "michelin"
(ligação à cobrar!)

- caiu meus dentes
mas não há um meio
de chegar...
(quáquáráquáquáquá)

toma uma sopa
e espera chegar
o ponto final
(ou desce no Araça!)

eu agradeço
em preces a CMTC
(Deus há de abençoar)

pelo Avenidas
que fez minha sogra
circular

sr. fabiano

(André Dias)

Sr. Fabiano é motorista...
Dirige busão, sua linha passa pelo Rio Tietê,
Então ele aproveita e solta seus flatos!

Se confundem com o cheiro do rio...
Sr. Fabiano se confunde com as idéias, tambem!
Como bom paulistano, é mais um neurótico!

Ele não sabe, mas os flatos vem de lá!
Do fundo da mente...
Do inconsciente!

Sr. Fabiano tem desejos...
Coisas que ele reprime,
E elas precisam de uma válvula de escape!

E tome flatos, ao lado do Tietê!
Na hora, ele tosse alto...
O barulho é abafado, assim!

Ele só queria ser feliz...
E a felicidade se desfaz, numa bola de gaz...
Assim, numa "piscada de olho!"

Um dia, se cansou...
E pulou no Tietê,
Em determinado ponto...
Pode-se ver bolhas saindo d'água...
É o Sr. Fabiano
que não pára de sonhar!

no sacolejo do busão

(André Dias)

O ônibus sacoleja...
Assim, como as negras nádegas,
Da mulher negra, linda!

"Lá vem o poeta...
Falar de bunda, novamente!"
No fim, toda lascívia é solidão...

Monte de momentos,
Passando como rolo compressor...
Como o busão que roda a cidade,

Como esta cabeça...
Que vive mais coisas que o corpo!

Passo em frente a um campinho...
Molecada jogando futebol,
Trocaria todos estes pensamentos...
Por esta agilidade corporal!

Sabem...É isso que me encanta
no futebol,
Não importa quem ganha...

Invejo estes corpos de atleta,
Diferentes desta cabeça de poeta...
Que corre como bola...

No sacolejo do busão!

ode ao ódio

(Ferrari)

meus olhos estão fechados
deus não existe

toca o despertador
eu existo
roupa, café, pernas em movimento
eu não existo

o sol brilha suave
num céu de algodão doce
eu amo deus

o ônibus chega na hora
deus me ama
o ônibus existe

esqueci o dinheiro
a roleta é eterna
o cobrador existe
a roleta não me ama

fico de joelhos, deito, me arrasto
eu odeio o cobrador
desço do ônibus
a roleta não existe mais

começa a chover
a chuva existe
a chuva é eterna
deus me odeia

esqueci o guarda-chuva
eu odeio deus

meus olhos estão abertos
não vejo deus
deus não existe

eu existo
acima de todas as coisas
o amor
e o que resiste.

carinho de braço

(André Dias)

"Eu poderia estar roubando...
Eu poderia estar matando,
Mas não...Eu estou pedindo!"
Diz o pedinte sem uma perna...

Moça do banco da frente...
Mexe na bolsa,
Atrás de uma moeda...

Balançar do ônibus,
Faz com que seu braço...
acaricie minha perna...

Na cidade,
Sempre esperamos por...
Violência! Chave de braço!

Mas ganhei carinho de braço...
Fechei os olhos,
Minha namorada, afinal...

Não era mais uma sardinha
na lata,
Era enfim, homem!

Era feliz!

motorista - linha 478-P

(por Paulo Ferraz)

Embora não tenha porte —
nem precisaria, pois quem o
tem? — de autoridade, senta
majestoso no seu trono
de curvim, forrado às vezes
com um capacho de retalhos,
sempre segurando o cetro
decorado com o escudeto
do Corinthians. A senhora
palmeirense entra de joelhos.
No mar, capitão com Deus se
parelha,no ônibus, ele.

(Paulo Ferraz ainda não faz parte deste grupo. Está publicado aqui por ser um poema muito bom sobre ônibus. Qualquer problema, será imediatamente retirado)

coração de leão



(por Karla Jacobina)

Todo leonino é carente e todo paulistano finge que não. Os paulistanos escondem a carência por detrás da volumosa juba de orgulho. Atacam, rugem, correm, plantam bananeira, afogam a bananeira, dão nó bananeira, tudo para esconder seus coraçõezinhos de carne, sangue e solidão.
Os reis da selva de pedra, possuem hábitos insones e durante o dia tendem a devorar sua caça numa mesa individual de um fast food. São velozes no trânsito e nas calçadas, usam sapatos de marca e garras na língua. Quando chega a noite, esses reis tendem a se sentir exaustos e mais exaustos ainda em imaginar o longo caminho até seus abrigos. Eles estão, em média, há duas horas e meia, sem trânsito, de seu local de repouso.
A volta para casa é feroz. Após um longo dia de engarrafamento mental, os leões se engarrafam nas ruas. Os leões bem-sucedidos mantêm-se isolados em seus territórios quatro portas, enquanto os leões não tão bem-sucedidos-assim, sobem uns nos outros para dar espaço a mais um conterrâneo no busão.
Como diz a lenda, os leões têm corações imensos e generosos. A lenda só não conta que tal coração se esconde bem no fundo de uma jaula escura. Assim, não compreendem tal destamanho, enquanto não se relacionam com outros corações de leão. No busão, os leões não tão bem-sucedidos-assim têm a oportunidade de explorar terras cardíacas, até então desconhecidas. No amontoado de feras e ferros, os leões se socializam. Como gostam de estar em bando, mas negam que isso seja uma necessidade, o ônibus é um excelente pretexto para tratar a carência crônica leo-paulistana. Esfregam os pêlos de linho uns nos outros, compartilham seus cansaços nas poltronas, trocam maus hálitos e reclamando do motorista e das obras na avenida Santo Amaro, crescem seus corações.
Ao descer no ponto final o leão descobre que seu coração é do tamanho do espaço percorrido entre um leão e outro. Já perto do abrigo, o rei da selva de pedra colhe ramos de humildade no asfalto. Todo leonino é carente e todo paulistano tem coração.

coletivo da gente

(por Ferrari)

Amalgamado pelo calor humano dentro do veículo, viajo na idéia de que a vida é um ônibus. Uns sobem, outros descem. Fica cheio, vazio, meio-vazio, meio-cheio. Tem japonês, loiro, negro. E cada ponto é, ao mesmo tempo, final e partida. Na minha frente tem uma dona gorda. Atrás dela, uma criança de colo. Um rapaz todo sujo de barro está de pé, ao lado de um senhor de terno. Uma estudante, sentada, segura uma pilha de mochilas pros amigos. Os rostos formam um mosaico de almas. Raimundos e fundos, Veras e esperas, Ritas e ritos, Dolores e dores, Celestes e Socorros. Marias, Aparecidas e Sumidas. De repente, um calor clandestino, misto de cumplicidade e ternura, me incendeia o peito. Sinto que cada pessoa, em seu pulmão único, costura o alento com o bafo quente que sai da boca alheia. Sinto que a diversidade de caras e bocas, não pertencem ao seus donos, mas I dont know. Sinto que cada angústia, debruçada sobre seu próprio umbigo, remoendo sua própria entranha, faz a mesma pergunta. Sentados ou em pé, estamos todos de joelho, rezando. Cristo é coletivo da gente.

o bumbum e o ferro

(por André Dias)

O trânsito está complicado...
devido a greve do metrô,
No busão, bumbum, no ferro encostado...
é o bumbum da moça que diz "Alô!"

Ela fala algo mais no celular...
Mas o que interessa de fato, é o bumbum,
que no ferro, afunda-se sem parar...
Há lugar para mais pensamentos? Nenhum...

Só existe o bumbum e o ferro,
Agradeço por minha visão, agora...
E como o ferro, meus olhos enterro,
E todo o resto, sobra pouco para fora...

Como seria tal mergulho?
Como seria me esconder lá?
Quem dera, ser um pequenino embrulho...
Sente em mim! Envolva-me! Vem cá!

Ai! Quem dera, tal carinho!
Como me sentiria bem...
Penso, fantasio, por todo o caminho,
Quem sabe um dia, não farei parte do bumbum de alguem?

o nome da rua

(por Renato Silva)

Durante uma tempestade,
escolher, aleatóriamente,
um ônibus na Avenida Paulista.

Contar os passageiros:
três, descer no terceiro ponto;
sete, no sétimo;
dez ou mais, no décimo ponto.

Observar quantas pessoas
abandonarão o transporte
em minha companhia;
multiplicar o número dessas
(trata-se de um ritual noturno)
ao total de estrelas que constatarei.

O produto dessa sentença indicará
a quantidade de vezes que gritarei,
a plenos pulmões,
o nome da rua aonde
minha loucura pousará.

ponto de ônibus (ultrage)

feia do lotação

(por Ferrari)

coitada!
coitada por quê?
por que o queixo é alpinista
por que não serve pra recepcionista
por que chora assistindo novela
coitada!

coitada por quê?
porque o ombro pede esmola
porque tem coragem
tem direito
mas não tem peito
coitada!

coitada por quê?
porque o cabelo é ruim
a unha é ruim
o pé é o fim
fede e cheira
a bunda não cabe na cadeira
nem a barriga na calça apertada
coitada!

coitada por quê?
porque quase tem gogó
quase tem pinto
o bigode é descolorido
a perna é barbeada
ó dó!
coitada!

coitada por quê?
porque sabe sorrir
porque gosta do cobrador
porque vai a igreja aos domingos
porque mora no paraíso
porque desceu na consolação
porque deseja ser amada
coitada!

paradoxo da espera do ônibus

tatuagem

(por Ferrari)