em branco

Dias de índio

Imagem:
http://pib.socioambiental.org/pt/povo/nambikwara


Marcelo Tadeu

I
Roubaram nossas terras
nossa dignidade
e ainda nos obrigam
a usar micro-ondas

II
Ele nos assustam
com suas flechas modernas
- E nós somos os selvagens?


Novo Mundo
André Dia(s/z)?

Espírito guerreiro
percorre a mata devastada,
sua lança e suas flechas
contra as máquinas
são quase nada,
mas o índio espera.
No cachimbo sorve a paciência
enquanto o seu mundo acaba
e o cinza do concreto
e o branco da cara pálida
se sobrepõem ao verde da mata,
ao colorido alegre da arara,
mas o índio espera.
Um dia os computadores vão dar pau,
e vão pedir pro índio
para ensinar a esfregar os seus pauzinhos
para acender uma nova fogueira
para aquecer um mundo novo
que jamais devia ter acabado.



Paulo D'Auria

Um rio primeiro
de onde em minhas lembranças você nasceu.
um rio primeiro
por onde na velha canoa percorremos o mundo
um mundo essência
de sabedoria pleno
nas folhas nos pássaros nas nuvens
e no azul por trás das nuvens
a tua ciência banhando meu olhos

Então veio o pó
e o homem feito do pó
e sua sabedoria do ferro forjado a fogo
então veio o jamais

Estava escrito nas pedras que se dissolvem com os séculos
de onde nasce o pó
de onde nascem os homens de pó
estava escrito
que este seria o mundo primeiro
e por fim o mundo do nunca mais

I
O indizionho descalço
perdeu as havaianas na BR-etcetal
no acidente fatal
do choque cultural

II
O indizionho descalço
joga bola no campo de terra,
depois que a tarde cai
fica o escuro,
a câmera escura
pra revelar o brasil

III
O indiozinho descalço
entra no supermercado
e o segurança de terno preto e gravata
vem logo dizer: "É PROIBIDO!"
o indiozinho ri, dá meia volta
e ganha a rua de sol de janeiro:
"Eu não tinha mesmo dinheiro!"

 
FINDO ÍNDIO (TRIBO TAKUKUNAMÃO)
Caranguejúnior

Peri está por aí...
Nas ruas do centro
Cabisbaixo, sem sorrir
Vagando, perdido
Dizem que enlouqueceu
Quase virou bandido
Vive de esmolas, no breu
Sem rumo, sem itinerário
Pois foi expulso de suas terras
Pelos latifundiários 

Enquanto Ubirajara dá um trampo
De engraxate na Sé
Pra ganhar um troco, no tranco
Do almoço ou do café
É ignorado como brasileiro
Toma todas, cheira um branco...
E perde seu pouco dinheiro
No jogo de baralho
Pois foi expulso de suas terras
Pelos latifundiários 

Já Iracema mora no Jaraguá
Com seus seis Curumins
Em uma tribo de lá
Passa perrengues, tempos ruins
Recebe o “bolsa família”
Que mal dá pra se virar
Vivem de migalhas, vazias vasilhas
Chora, por nada ter no velho armário
Pois foi expulsa de suas terras
Pelos latifundiários

Macunaíma o “Herói”
Anda mais sumido
Do que a FUNAI
Pelo céu cinza, foi vencido
A poluição do ar
O mantém escondido
Lá no vasto firmamento
Faça chuva ou luar,
Passa despercebido
Em nossos pensamentos

E nos olhos de Raoni, o cacique
Rolam lágrimas de tristeza
Ata, protesto, motim, chilique
E nada foi o suficiente
Para proteger a natureza
Da ambição do homem, Infelizmente
A dor maior de sua vida
É ver um “Belo monte” de árvores caídas
“Belo monte” de terras invadidas
E ver a guerra perdida

E o povo Guarani sofre
Nas terras Brasileiras, massacre
Sem terra, sem sul, sem norte
No Amazonas, Mato Grosso, Acre...
Sem demarcação, paz e sorte
Humilhação em toda parte
Massacrados em vários cantos
Pela polícia e legislação federal
No futebol, "O Guarani" perde pro Santos
Na final da decisão estadual

Os Índios são sempre passado
Nunca presente
Vivem isolados, abandonados
Sem futuro, sempre ausentes
O homem branco mata
Maltrata e tortura
E os índios seguem em busca da cura
De serem respeitados, como PESSOA
Sonhando em ter de volta
Suas vidas boas, Villas Boas.

Portinari: Guerra e Paz

Os Poetas do Tietê visitam a exposição dos painéis "Guerra e Paz", de Cândido Portinari


GUERRA X PAZ
Caranguejúnior
(poema feito sobre o mote “A marreta da morte é tão pesada / que a pedreira da vida não aguenta” retirado do site interpoetica.com)

Desse mundo o ódio tomou conta
Dos corações dos homens sem amor
Que plantam violência, guerra e terror
Espalhando a dor na primeira afronta
Manchando o céu com cor avermelhada
De batalhas sem propósitos e sangrentas
Para matar usam várias ferramentas
De rancor à alma já está armada
A marreta da guerra é tão pesada
Que a pedreira da paz não aguenta


Inocentes se vão como o vento
A morte chega sem convite
Estraçalha vidas igual dinamite
Sem chance de qualquer argumento
E Deus chora com as mãos lavadas
O homem que do poder se alimenta
De ambição sua aura é sedenta
Na sorte a humanidade está lançada
A marreta da guerra é tão pesada
Que a pedreira da paz não aguenta


 
Portinari
Marcelo Tadeu

Mas que bela magia é essa
Apenas com um lápis e um pincel
Se utilizando de todas as cores
Mostrou ao mundo
Em desenho tão vivo
A tristeza da guerra
E a alegria da paz

 
Tinta Azul!
Carolina Hermanas

De vários ângulos vejo o teu sofrer,
Sentada,ajoelhada e descabelada.
Seria fome? Ou vontade de viver?
Um coro ressoando ao teu redor,
Seria o fim dos tempos?

Crianças formando rodas,
Meninos brincando nos balanços,
Todos inertes no seu próprio morrer.

Olhos despertos,
A cada passo uma transmutação de cores;
Enquanto houver guerra,
A cor preta — destruidora de sonhos — prevalecerá.
Teus sonhos serão escuros,
E tuas palavras também.

Talvez, se ver um pouco do azul,
A esperança se reerga.
Tuas mãos escondem tua feição;
O que é isso manchando teus dedos?
Seriam lágrimas de sangue?
Ou gotas de chuva?

Olha a tua volta,
Vê sangue e escuta gritos.
Por fim, teu último suspiro.
Um balde de tinta azul é jogado na sua cabeça; tarde demais!

Homem Morrendo
Carolina Hermanas

Desenho meu rosto num painel,
Retoco minha boca torta,
Puxo os olhos para baixo - agora estão caídos;
E me vejo numa situação horrenda.

Aproximo-me do meu ser,
E vejo o que estou pintando;
O meu sangue, a minha origem.

Começo a tossir,
Uma,duas, três vezes,
E, na terceira, meu pulmão infla.
Dou uma última pincelada antes de cair.
Mas quero que veja;
Não estou me autorretratando,
Estou me matando fazendo o que amo.
Estou morrendo em meio aos pincéis.

 
Guerra e Pés
André Dia(s/z)?

O que vejo agora,
Contemplo absorto
A mãe que chora
seu querido filho morto,

Porque eu sou assim?
Não consigo ver a tristeza da cena?
Deus! Olhai por mim!
Não consigo, de fato, sentir pena!

Só consigo ver
aqueles pés enormes,
perfeitos a preencher
minha obsessão, com suas dimensões disformes!

Aquelas voluptuosas solas sujas
de calcanhares inteiramente rachados,
Fazem-me igual aos vampiros e bruxas,
Seres amaldiçoados!

Há uma ignominiosa guerra
dentro de mim,
Contra esta bestial fera,
a uivar sem fim!

Peço então, a redenção
me ajoelho e lambo como reza,
em minha canina abjeção
degusto os pés da mãe, sem pressa.

Medito e percebo então,
Nunca mais encontrarei a paz
Guerra e pés serão
realidades jamais deixadas para trás.

Terra e Paz
André Dia(s/z)?

Vi a criança
nos braços da mãe,
como boneco desengonçado
Qual o valor da vida humana?

Vi o sangue
encharcar a terra,
como chuva do céu
quando os anjos cortaram os pulsos

As feras cravaram as garras
na inocência do menino,
Que jaz como brinquedo quebrado
pelas garras do homem diabo,

Sob seu sangue de querubim,
que ensopando a terra,
enfim, encontra a paz.

 
Na gangorra dos homens
Paulo D’Auria

I
As mãos,
as mãos,
as mães.
A mãe com o filho nos braços está de costas,
a mãe com o filho nos braços é uma pietá de rosto coberto,
a mãe e o filho nos braços feito uma boneca, de pau,
a mãe e o azul do filho morto.

As mães,
as mães,
as mãos.
As mulheres choram com as mãos na cabeça
sobre os cabelos desgrenhados,
As mãos erguidas ao céu em prece
sobre os cabelos rabiscados,
as mãos cobrindo as faces
dessas desgraçadas pietás sem rosto.

A morte vem cavalgando vermelha
sobre seu cavalo rabiscado,
desgraçado,
desgrenhado
à lápis.
A morte cavalgando em seu puro sangue.

II
No balanço do tempo
as crianças alçam voo,
no diabolô do tempo
as crianças se reinventam,
no coro do tempo,
as crianças.

Na gangorra dos homens
e no balanço do tempo.
Na gangorra dos homens,
e no balanço do tempo
o mundo segue seu curso não-inevitável
e as crianças brincam
simplesmente.