em branco

Quo Vadis

Grafite do coletivo São Mateus em Movimento,
na comunidade Vila Flávia, S.P.


Que honra! Os Poetas do Tietê têm o prazer de publicar um poema inédito do poeta e agitador cultural, grande figura da cena poética paulistana e um dos responsáveis por sua atual efervescência como co-fundador da Cooperifa, responsável pelo Sarau A Plenos Pulmões na Casa das Rosas, e pelo sarau mais intimista e exclusivo da cidade, o I Love Laje, Marco Pezão:

Quo vadis

Eu não quero ver
Barricada na calçada
Nem polícia vigiando
Pensamento lá em casa

Eu não quero ter
O meu sono assaltado
E dos filhos, a vida
O sonho ceifado

Trabalha, trabalha, trabalhador
Trabalha, trabalha, trabalha a dor

Crucificada Atenas
Entrincheirado no sofá
Sou réu na tela
Violência maior já é
Ter que morar numa favela

Trabalha, trabalha, trabalhador
Trabalha, trabalha, trabalha a dor

Afiada régua
Quem paga a conta pede trégua
Quo vadis, da gota o extremo 
A guerra urbana emana 
Dos palácios de governo

Trabalha, trabalha, trabalhador
Trabalha, trabalha, trabalha a dor...

Man or Superman?

Na Papoetaria deste sábado, 17/11, André Dia(s/z) propôs o tema da "consciência dos super-heróis", apresentando-nos um painel abrangente sobre o assunto, desde Marshal Law, personagem criado em 1987 por Pat Mills e Kevin O'Oneill, que é um caçador de super-heróis que saem da linha, até a teoria do Super-Homem de Nietzsche.




"Grandes poderes trazem grandes responsabilidades" - Dito popular norte-americano eternizado como o lema de o Homem Aranha de Stan Lee.

"Zaratustra é sim um Cristo da elite, pois Nietzsche escreveu o evangelho do super-homem - o que anuncia um novo tempo, uma era em que Deus morreu (dass Gott tot ist!), na qual o Homem se apressa para assumir o poder na totalidade, na qual terá que arcar com as conseqüências morais e éticas de um mundo sem Deus." - José Vanir Daniel (http://entendanietzsche.blogspot.com.br/).

Constatado o fato de que alguém que tivesse super-poderes teria de ter também uma super-consciência, todos tivemos de escrever um texto a partir do título "Se Eu Tivesse Superpoderes"


Se Eu Tivesse Superpoderes

Caranguejúnior

Se eu tivesse poderes
queria ter o superpoder legislativo
implantaria e deferiria as super leis
do País das Maravilhas
onde a lei que domina
é a lei dos mais fortes
ou dos mais ricos

Se eu tivesse poderes
queria ter o superpoder executivo
para ajudar os fracos e oprimidos,
Talvez um Robin Hood
tiraria dos mais ricos
e doaria aos mais pobres
usando a arma caneta
e simples assinatura

Se eu tivesse poderes
queria ter o superpoder judiciário
para condenar e prender os foras-da-lei
e aqueles que parecem dentro da lei,
Com superpoder de investigar e argumentar
não teria revisor que me parasse,
andaria por aí de capa preta
e meu nome talvez fosse
Joaquim Barbosa Man


André Dia(s/z)?

Se eu tivesse superpoderes
mandaria às favas, mandaria se foder
quem me impusesse deveres.

Se eu tivesse uma superforça
arrebentaria os muros de meu caminho
me sentiria livre pra andar sem roupa.

Se eu pudesse ficar invisível
espiaria a vida alheia
dormiria com mulheres casadas, pois seria possível.

E, por fim, se eu pudesse voar
como o Doutor Manhattan do Watchmen
ia pra Marte e mandaria todo mundo se danar!


Marcelo Tadeu

Se eu tivesse superpoderes
Mostraria ao mundo toda a minha beleza
Destruiria quem de mim duvidasse
A quem me desafiasse
Seria o melhor dos melhores
Seria o maior dos maiores
Teria o respeito de todos
E sentiria orgulho de escutar
Todos gritando meu nome


Paulo D'Auria

Feito um dia qualquer, amanheci, bebi meu achocolatado com biscoitos vitaminados, meu corn-flakes com yogurte de lactobacilos vivos e fui trabalhar.

Feito um dia qualquer, fui esperar o trem. Foi quando comecei a notar que algo estava errado: Ao disputar minha vaga no tapa pra passar pela porta, derrubei uns dois neguinhos nos trilhos. Depois, assustado, fiquei miudinho, espremidinho em meu lugar marcado.
Feito um dia qualquer, mal grunhi meus bons-dias na empresa, meu chefe descarregou sua pilha de problemas em minha mesa. Feito um dia qualquer, fitei-o profundamente e desejei-lhe em silêncio o que sempre lhe desejo. Mas aí comecei a notar que algo estava errado: Sua cabeça explodiu em pedaços.
Chegou polícia, televisão, jornalista e toda espécie de curioso tentando entender o que havia acontecido. Prestei depoimento. Depois, assustado, fiquei miudinho, em meu lugar calado.
Não sei se foi o achocolatado ou o corn-flakes, os biscoitos ou os lactobacilos, só sei que tem sido assim desde então. Virei chefe, só ando de carrão, tô ganhando uma grana preta com meus misteriosos poderes.
Hoje topei com o pai-de-santo lá do meu terreiro, que me perguntou por onde tenho andando, que nunca mais apareci e essas coisas todas. Foi quando notei que algo havia dado errado: Deus morrera dentro de mim.

Gonzagão - Cultura Pra Pular Brasileira


100 anos de nascimento de Luiz Gonzaga do Nascimento, o Gonzagão, Rei do Baião!

Gonzagão Is Rock'n'Roll!
André Dia (s/z)?

Lembro de quando era pequeno
me refugiei no rock'n'roll
para destilar meu veneno
contra este mundo ruim, onde ainda estou

Não tinha ideia clara sobre Deus
mas devia ter relação com a guitarra
e os cabeludos que a masturbavam com os dedos seus,
Ah, meu irmão, que farra!

Um dia me chamou a atenção
um senhor com sua sanfona,
Chamavam-no de Gonzagão
E o velho preconceito me abandona!

Não é preciso ser cabeludo
e ter uma guitarra na mão
para quebrar com tudo
e deixar nego com o queixo no chão!

Forró, baião ou xote,
Ele mesmo não gostava de se rotular
mas pra mim o véio vai ser sempre rock,
Aquilo era Deus a se manifestar

Podólatra, poeta, artista,
Eu mesmo não sei o que sou
Mas antes que algum fio de rapariga me contradiga,
Repito: Gonzagão Is Rock'n'Roll!

Rei do Baião
Marcelo Tadeu

Não estou louco
Eu vi nas estrelas
Um Acordeão
E uma voz que ecoava
Como uma grande festa
Para aqueles que ainda se vão
Uma grata surpresa
No céu tem baião



Toca Gonzaga
Caranguejúnior

Gonzagão é ritmo
Rítmico é rima
É bode cabra
Da peste
De leste a oeste
De norte a Exu
Gonzagão é cool
É raga movie

É xote, baião de dois de três
Arretado, passos marcados
É maraca (tu e eu) no embalo
Forró que até se dança só
[Acompanhado é mais mió]

Gonzagão é funk de embolada
É repente de repente
É cultura pra pular brasileira
Da terra é dos seres tão
Do sertão à capitá
Gonzagão lá está

Gonzagão é samba
É bamba
Partido alto
Oxente!
Partiu pro alto
Foi pro céu
Mas ainda toca
Na radiola da alma
De muita gente...

Luiz Gonzaga Exu de Nascimento
Paulo D'Auria

Nascido em Exu, tinha que ser cabra macho
Nascido em Exu, tinha que ser mensageiro
Tinha que escrever o prefácio
O rascunho primeiro do coração brasileiro

Luiz Gonzaga do Nascimento
Luz, Lua, Sol e Vento
O soprador dos quatro elementos
No fole do coração brasileiro

Nascido em Exu, tinha que ser Rei
Rei do baião e do maracatu
Rei de todos nós, de eu e de tu
Rei do sertão, de Pernambuco, do céu e do mar azul

Luiz Gonzaga do Nascimento
Quando a luz de tua canções
Se espalhar nos corações
Eu te asseguro, não chore não, viu
Nasceu contigo o novo Brasil.



Maracatu
Caranguejúnior, Hermanas, D'Auria, Dia (s/z)?

Mara, cá tu vai o meu sol alevantar
Tu é tudo que eu sempre quis
Tu vai pôr a minha lua pra deitar
Mara, cá tu vai ser bem feliz
Mara, cá tu vai ser meu bem querer
Mara, cá só falta você

Mara, cá tu e eu viveremos na paz
No dia claro ou na noite em breu
Escutando forró, blues e jazz
Mara, cá tu vem dançar mais eu
Mara, cá tu e eu vamos embolar
Mara, cá tu vai me maracatucar

Mara, cá tu tirar minha sandália
colada no pé de tanto andar no sertão,
Mara, cá tu já me botou tanta gaia
Que a cabeça pesa a olhar pelo chão!

Mara, cá tu e eu vamos escrever uma canção
Mara, cá tu é a dona do meu coração
Mara, cá tu deixa eu te dizer um segredo
Mara, cá tu, é tudo o quê eu desejo
Mar, mar, mar, cá tu vamos batucar
Mar, mar, mar, cá tu vamos maracatucar


God Save The Hebe!

God Save The Hebe!
que já se encontra lá no céu
que reinou sobre a televisiva plebe
Agora, de nuvens veste o véu!


God Save The Hebe!
espalha sua simpatia entre os anjos,
que juntam as mãozinhas numa prece,
saudade da rainha em todos os cantos!


Na corrida para o xixizinho
no intervalo comercial,
voltávamos para ver o selinho
naquele convidado especial!


Perdoem se sou tão brega
ao exaltar a grande diva da telinha,
Como agradecer o leitor do poema, que se encerra?
Muito obrigado...Gracinha!

Poesia é Freud!

Os Poetas do Tietê se encontraram para tentar explicar em versos o que Freud já tentou explicar:



"Vimos que uma metade da atividade mental humana dedica-se ao domínio do mundo exterior real. A isso acrescenta a psicanálise que outra parte, singularmente estimada, da criação psíquica se consagra ao cumprimento de desejos, à satisfação substitutiva daqueles desejos reprimidos que desde a idade infantil vivem insatisfeitos na alma de cada um. A essas criações, cuja conexão com um inconsciente inapreensível foi sempre suspeitada, pertencem os mitos, a poesia e a arte, e o trabalho dos psicanalistas lançou realmente viva luz sobre os domínios da mitologia, da literatura e da psicologia do artista. Foi demonstrado que os mitos e as fábulas são, como os sonhos, suscetíveis de interpretação, foram seguidos os intricados caminhos que conduzem do impulso do desejo inconsciente até a realização na obra de arte, aprendeu-se a compreender a ação afetiva da obra de arte sobre o indivíduo receptivo, explicou-se afinidade interior do artista com o neurótico, e suas diferenças, e mostrou-se a relação entre sua disposição, suas vivências casuais e sua obra. A avaliação das qualidades artísticas são problemas estranhos à psicanálise. Parece, contudo, que a psicanálise está em situação de dizer a palavra decisiva em todos os problemas relativos à vida imaginativa do homem."  Sigmund Freud


A Mente do Artista
Marcelo Tadeu

Não tente acompanhar
Não tente segui-los
Meus pensamentos viajam por planetas
Passam pelas estrelas
até voltarem
e escreverem
todos os poemas



A Cabeça do Poeta
André Dia(s,z)?

Na cabeça do poeta
existem várias ruas
por onde circulam
sonhos, medos e fantasias
na cabeça do poeta
nada é impossível,
milagres surgem dependurados
da grande àrvore-alma
como tangerinas cheias de suco,
Ás vezes, doce quando é alegria,
Às vezes, azedo quando é decepção,
Mas sempre um fruto nobre,
Desses que se reparte,
Fruto jamais perecível,
E o seu nome é arte.

O Que é Poesia?



Marcelo Tadeu Costa e André Dia(s,z)? após a leitura de trechos do livro "O Que É Poesia", de Fernando Paixão, deram sua visão a respeito desse assunto:


Marcelo Tadeu:

Poesia

Que palavras são essas
Ditas de uma maneira tão diferente
Que encantam a gente
Capazes de mudar o mundo
Capazes de mudar a vida
e quem duvida
Que elas tenham tanta força
Apenas ouça
Apenas ouça



André Dia(s,z)?:

Por Trás da Moldura

Poesia é a musica
cuja lingua estrangeira
destoa do burburinho infernal
dessa máquina cotidiana
desse trator que passa por cima
de sonhos ainda não germinados

Poesia é o vislumbrar
da graciosidade da fêmea
em meio à truculência do macho,

Poesia é um pingo de "sim"
num oceano de "nãos"
Um grão de sorriso
num deserto de caretas raivosas,

Poesia é não se contentar
em apenas apreciar o quadro
mas ter a curiosidade
de ver o que existe por trár da moldura."

FILE - Os Poemas

Os Poetas do Tietê visitaram a FILE 2012 - Festival Internacional de Linguagem Eletrônica
Confiram aqui o resultado poético desta visita:

Marcelo tadeu

Impressionante
Tudo se torna mais fácil
Simplifica meu dia a dia
Parece feitiçaria
Esta tal tecnologia




Bebê Virtual
Carolina Hermanas

Amores se conectam,
Emotions transbordam emoções,
Abreviações se interligam de alguma maneira
Cibernética e romântica.

Flores ao vento,
Que cartas são essas?
Não existem cartas.
Apenas palavras pequenas,
Apenas um monitor
Quente e...Sem amor.

Dias, horas, anos
Conversando com alguém
Praticamente invisível.
Com alguém sem olhos,
Sem vida,
Sem palavras amorosas. Reais.

Mantêm contato
Diariamente.
Mantêm uma imagem
Perfeita na sua mente.
Que mundo é esse?

Palavras pornográficas,
Insinuações claras.
Posições inventadas.
Será que estamos fazendo amor?
Virtualmente?

Alguns meses,
E um grito ecoa do outro lado.
Da tela do computador.
Sorrio - e pela webcam você também -
E dissemos:
- Nasceu. O nosso bebê virtual. É um IPAD.


CONTO TAMBORETE DE ZONA (INTERNET)
Caranguejúnior

JORNAL DOS ÚLTIMOS TEMPOS
21/01/2016

EXTRA!!! EXTRA!!!
O primeiro bebê que foi fecundado  pela internet, NASCEU!!!
Os pais se conheceram, namoraram, casaram-se e mantiveram relação interneticamente sexual com penetração via cabo USB, a mãe engravidou via placa mãe e a "criança" nasceu!!
Tudo pela internet...
A "criança" se chama Tamagochi, pesa 4GB, processador Dual core 3.0, GHz, MB L2 cache, 800 MHz FSB, Pentium 7, com câmera embutida no cu!
Os médicos se assustaram com as primeiras palavras proferidas pela "criança" que foram...
"Google dádá!! Google dádá!!"
Os pais estão muito felizes disseram que vai ser duro a manutenção da criança, devido o alto custo da assinatura de banda larga, mas, estão conscientes que geraram um bom lucro, e já abriram páginas na internet para o bebê, que por sinal estão bombando no Facebook, Twitter, Orkut, Picasa, Picasso, Davinci, Aleijadinho, flickr, florck, flurck, Youtube, Youtoba e outros caralhos internéticos...


Tecnicamente Inviável

Paulo D'Auria

O admirável ovo da tecnologia
Já nasce frito
E mamífero

O admirável gado da tecnologia
Já nasce temperado
E com lugar marcado

O admirável olho da tecnologia
É de Crystal Liquid Gel
Falso brilhante de grafite
E cego

X
Paulo D'Auria


Falsificando Nelson Rodrigues

Fotografia: Pierre Verger
 "Para os meus três anos, o mar, antes de ser paisagem, foi cheiro. Não era concha, nem espuma. Cheiro. Meu pai, antes de ser figura, gesto, bengala ou pura palavra, também foi cheiro. Ninguém tinha nome na minha primeira infância. A estrela-do-mar não se chamava estrela, nem o mar era mar. Só quando cheguei ao Rio, em 1916, é que tudo deixou de ser maravilhosamente anônimo." Nelson Rodrigues


Carolina Hermanas

Antes de ser mar, antes de ser água, também fui cheiro. Antes de ser escritor, aspirante a fumante, também fui cheiro. Antes de ser criança e espectador, também fui cheiro. Mas quando fui jornalista,assim como meu pai, cronista e dramaturgo, virei pó.
Antes de não ter pai, fui pó. Antes de não conhecer a repugnância democrática, fui pó Mas antes mesmo de ser quem eu não achava quem era, fui vento. Fui cheiro de vento.



Fotografia Pierre Verger
"Também me vejo na calçada da rua Alegre. Os mesmos seis anos. Sou pequenino e cabeçudo como um anão de Velasquez. E me fascinava ir de uma esquina a outra esquina, sempre pelo meio-fio. Eu me equilibrava, no meio-fio, como se este fosse fino e vibrante como um arame." Nelson Rodrigues


Paulo D'Auria

Nelson veio do mar. Ostra que onda largou na areia e, aos humores do sol submetida, partiu. Da concha quebrada pulou o menino-homem que trazia na boca o afogamento do mar. Por isso Nelson não ria. E não viria a rir nem quando o homem pulou, quebrado o vaso-menino num ricochete adúltero de tiro, do útero-mundo.
Nelson veio do mar. Espécime não classificado de anjo caído entregue à areia de Copacabana por Ogum. Na boca o afogamento germinal de todos os homens, guelras nos olhos, adaptou-se a esse não-respirar não precisando olhar no fundo dos olhos dos homens para desvendar sua alma, conhecia a sujeira do mar. A sujeira do mar profundo.
E no assombro do afogamento da vida, Nelson sem querer enganou a morte. Morreram Roberto, Mário, Joffre, Paulo. A tragédia era a sua casa, viera ao mundo numa manhã de ressaca: a ele bastava voltar para o mar.
Nelson veio do mar e no mar agora respira a fumaça de um milhão de cigarros ordinários que lhe traz Exu, seu revisor e amigo, com quem trava longas discussões morais. Dissolve as bitucas na translucidez do mar profundo fazendo papel para o jornal do dia. Não precisa mais de escafandros, está em seu ambiente inatural. A sujeira da humanidade boia dois círculos acima. Ri gargalhadas, faz sexo com amor e cata na máquina os grãos do editorial do amanhã.




Fotografia Pierre Verger
 "O brasileiro tem tão formidável potencial de fé que pode aplicá-lo por toda parte. E, súbito, nos tiram a vida eterna. Não há mais sobrenatural, não há mais nada. Estamos reduzidos aos quinze minutos da vida terrena. Vamos e venhamos: esse quarto de hora não basta para a nossa fome. Sem a sua eternidade, o brasileiro anda por aí, errante e desgraçado." - Nelson Rodrigues


Marcelo Tadeu

Na complexidade da vida
Onde é tão difícil perceber
Acredite se quiser
Ele escreveu
A vida como ela é

Navegação de Cabotagem - Conhecendo Jorge Amado

Os poetas do Tietê visitam a exposição em homenagem a Jorge Amado no Museu da Língua Portuguesa


Seu Jorge Modernista
Fernanda Migliore
Desenho: Fernanda Migliore
Cheiro de peixe maresia nordeste
ar-condicionado, Jorge-Amado
Jorges coloridos arrepio sagrado
teclas política exílios pensamentos
teclas livre - crente - mente mente
Jorge museu globo livro em tela
E eu inocente, sempre Gabriela.


Embriaguez
Paulo D'Auria
Imagem: Exposição sobre Jorge Amado no
Museu da Língua Portuguesa
Não conheci Jorge Amado quando pisei nas pedras tortas do Pelourinho, quentes ainda da fogueira de 1694 exemplares de suas obras.
Não conheci Jorge Amado quando entrei em sua casa azul-turista, quando dormi no pé da Farol da Barra, quando assisti à novela, quando visitei a Academia Brasileira de Letras.
Não, não conheci Jorge, o Amado em nenhuma dessas ocasiões, de certo que andava ausente, ele ou eu, dos fatos presentes e de menor importância.
Fui conhecer Jorge Amado ontem, uma vela vermelha e outra preta acesas iluminando a encruzilhada e a meia-noite de fria garoa paulistana, quem diria. Veio rindo e abraçado a Prestes, o cavaleiro.
Na hora de falar comigo, Prestes postou-se dois passos atrás de Jorge. Não ria, e seu olhar sisudo, contrastante com o ar bonachão de Jorge, avisava: não era hora de o conhecer.
Jorge agradeceu o charuto e a cachaça, armou uma cara entre a troça e a sabedoria, e disparou: “Deus sorri como um negrinho”.
Paralisado pelo encontro inesperado, fiquei olhando os amigos irem embora cambaleantes. Já iam na outra esquina quando Jorge se volta para trás e grita, “Na próxima entrega traz um licor de violeta pra Zélia!”
Jorge riu, e ainda tive tempo de ver seu riso alvar se desmanchar no ar.

Cama de Pregos

Tela: "Paisagem", de Carlos Zilio, 1974

Fajuto Faquir
Paulo D'Auria

Fosse um faquir
fajuto e roto
com meus duzentos quilos
os pregos não respeitariam minha pele
os pregos não respeitariam minha filosofia
ocidental
baseada em morrer
cedo
e doente
e lentamente

Fosse um faquir
falso
os pregos não respeitariam minha carne
praticando o sangramento
a purificação
feito facas
de um curandeiro turco (fake indiano)
no interior do recôncavo baiano
num romance de Jorge Amado
esfolando
um personagem secundário
e obscuro

Fosse um faquir
vivendo em fausto vazio
os pregos não respeitariam minha alma
surpreendendo-a pelos desvãos do desvio
de meu corpo inchado
e a sacrificariam
num varal de charque
voltado para a Meca

Encosto a cabeça em meu travesseiro de pregos
e durmo meus pesadelos tranquilo
porque é assim
o desassossego
dos justos

Maldita Condição
André Dia(s/z)?

Tentei te amar
num colchão de algodão
e lençóis de paixão
suaves como cetim,
Cama de pregos é o que me resta
refestelado sob pele rasgada
a dor do desprezo me mutila,
Testículos perfurados,
e eu não me movo
consciente que sou merecedor.
Reto e uretra são uma só chaga,
Sangue e dejetos são chorados
pelo olho que é o buraco
que é o meu corpo agora,
Sou um vazio exposto,
exposto aos olhos do mundo,
olhos estes que se fecham
à passsagem do homem-retalho
que um dia ousou
assumir sua maldita condição
de poeta.

Dias de índio

Imagem:
http://pib.socioambiental.org/pt/povo/nambikwara


Marcelo Tadeu

I
Roubaram nossas terras
nossa dignidade
e ainda nos obrigam
a usar micro-ondas

II
Ele nos assustam
com suas flechas modernas
- E nós somos os selvagens?


Novo Mundo
André Dia(s/z)?

Espírito guerreiro
percorre a mata devastada,
sua lança e suas flechas
contra as máquinas
são quase nada,
mas o índio espera.
No cachimbo sorve a paciência
enquanto o seu mundo acaba
e o cinza do concreto
e o branco da cara pálida
se sobrepõem ao verde da mata,
ao colorido alegre da arara,
mas o índio espera.
Um dia os computadores vão dar pau,
e vão pedir pro índio
para ensinar a esfregar os seus pauzinhos
para acender uma nova fogueira
para aquecer um mundo novo
que jamais devia ter acabado.



Paulo D'Auria

Um rio primeiro
de onde em minhas lembranças você nasceu.
um rio primeiro
por onde na velha canoa percorremos o mundo
um mundo essência
de sabedoria pleno
nas folhas nos pássaros nas nuvens
e no azul por trás das nuvens
a tua ciência banhando meu olhos

Então veio o pó
e o homem feito do pó
e sua sabedoria do ferro forjado a fogo
então veio o jamais

Estava escrito nas pedras que se dissolvem com os séculos
de onde nasce o pó
de onde nascem os homens de pó
estava escrito
que este seria o mundo primeiro
e por fim o mundo do nunca mais

I
O indizionho descalço
perdeu as havaianas na BR-etcetal
no acidente fatal
do choque cultural

II
O indizionho descalço
joga bola no campo de terra,
depois que a tarde cai
fica o escuro,
a câmera escura
pra revelar o brasil

III
O indiozinho descalço
entra no supermercado
e o segurança de terno preto e gravata
vem logo dizer: "É PROIBIDO!"
o indiozinho ri, dá meia volta
e ganha a rua de sol de janeiro:
"Eu não tinha mesmo dinheiro!"

 
FINDO ÍNDIO (TRIBO TAKUKUNAMÃO)
Caranguejúnior

Peri está por aí...
Nas ruas do centro
Cabisbaixo, sem sorrir
Vagando, perdido
Dizem que enlouqueceu
Quase virou bandido
Vive de esmolas, no breu
Sem rumo, sem itinerário
Pois foi expulso de suas terras
Pelos latifundiários 

Enquanto Ubirajara dá um trampo
De engraxate na Sé
Pra ganhar um troco, no tranco
Do almoço ou do café
É ignorado como brasileiro
Toma todas, cheira um branco...
E perde seu pouco dinheiro
No jogo de baralho
Pois foi expulso de suas terras
Pelos latifundiários 

Já Iracema mora no Jaraguá
Com seus seis Curumins
Em uma tribo de lá
Passa perrengues, tempos ruins
Recebe o “bolsa família”
Que mal dá pra se virar
Vivem de migalhas, vazias vasilhas
Chora, por nada ter no velho armário
Pois foi expulsa de suas terras
Pelos latifundiários

Macunaíma o “Herói”
Anda mais sumido
Do que a FUNAI
Pelo céu cinza, foi vencido
A poluição do ar
O mantém escondido
Lá no vasto firmamento
Faça chuva ou luar,
Passa despercebido
Em nossos pensamentos

E nos olhos de Raoni, o cacique
Rolam lágrimas de tristeza
Ata, protesto, motim, chilique
E nada foi o suficiente
Para proteger a natureza
Da ambição do homem, Infelizmente
A dor maior de sua vida
É ver um “Belo monte” de árvores caídas
“Belo monte” de terras invadidas
E ver a guerra perdida

E o povo Guarani sofre
Nas terras Brasileiras, massacre
Sem terra, sem sul, sem norte
No Amazonas, Mato Grosso, Acre...
Sem demarcação, paz e sorte
Humilhação em toda parte
Massacrados em vários cantos
Pela polícia e legislação federal
No futebol, "O Guarani" perde pro Santos
Na final da decisão estadual

Os Índios são sempre passado
Nunca presente
Vivem isolados, abandonados
Sem futuro, sempre ausentes
O homem branco mata
Maltrata e tortura
E os índios seguem em busca da cura
De serem respeitados, como PESSOA
Sonhando em ter de volta
Suas vidas boas, Villas Boas.

Portinari: Guerra e Paz

Os Poetas do Tietê visitam a exposição dos painéis "Guerra e Paz", de Cândido Portinari


GUERRA X PAZ
Caranguejúnior
(poema feito sobre o mote “A marreta da morte é tão pesada / que a pedreira da vida não aguenta” retirado do site interpoetica.com)

Desse mundo o ódio tomou conta
Dos corações dos homens sem amor
Que plantam violência, guerra e terror
Espalhando a dor na primeira afronta
Manchando o céu com cor avermelhada
De batalhas sem propósitos e sangrentas
Para matar usam várias ferramentas
De rancor à alma já está armada
A marreta da guerra é tão pesada
Que a pedreira da paz não aguenta


Inocentes se vão como o vento
A morte chega sem convite
Estraçalha vidas igual dinamite
Sem chance de qualquer argumento
E Deus chora com as mãos lavadas
O homem que do poder se alimenta
De ambição sua aura é sedenta
Na sorte a humanidade está lançada
A marreta da guerra é tão pesada
Que a pedreira da paz não aguenta


 
Portinari
Marcelo Tadeu

Mas que bela magia é essa
Apenas com um lápis e um pincel
Se utilizando de todas as cores
Mostrou ao mundo
Em desenho tão vivo
A tristeza da guerra
E a alegria da paz

 
Tinta Azul!
Carolina Hermanas

De vários ângulos vejo o teu sofrer,
Sentada,ajoelhada e descabelada.
Seria fome? Ou vontade de viver?
Um coro ressoando ao teu redor,
Seria o fim dos tempos?

Crianças formando rodas,
Meninos brincando nos balanços,
Todos inertes no seu próprio morrer.

Olhos despertos,
A cada passo uma transmutação de cores;
Enquanto houver guerra,
A cor preta — destruidora de sonhos — prevalecerá.
Teus sonhos serão escuros,
E tuas palavras também.

Talvez, se ver um pouco do azul,
A esperança se reerga.
Tuas mãos escondem tua feição;
O que é isso manchando teus dedos?
Seriam lágrimas de sangue?
Ou gotas de chuva?

Olha a tua volta,
Vê sangue e escuta gritos.
Por fim, teu último suspiro.
Um balde de tinta azul é jogado na sua cabeça; tarde demais!

Homem Morrendo
Carolina Hermanas

Desenho meu rosto num painel,
Retoco minha boca torta,
Puxo os olhos para baixo - agora estão caídos;
E me vejo numa situação horrenda.

Aproximo-me do meu ser,
E vejo o que estou pintando;
O meu sangue, a minha origem.

Começo a tossir,
Uma,duas, três vezes,
E, na terceira, meu pulmão infla.
Dou uma última pincelada antes de cair.
Mas quero que veja;
Não estou me autorretratando,
Estou me matando fazendo o que amo.
Estou morrendo em meio aos pincéis.

 
Guerra e Pés
André Dia(s/z)?

O que vejo agora,
Contemplo absorto
A mãe que chora
seu querido filho morto,

Porque eu sou assim?
Não consigo ver a tristeza da cena?
Deus! Olhai por mim!
Não consigo, de fato, sentir pena!

Só consigo ver
aqueles pés enormes,
perfeitos a preencher
minha obsessão, com suas dimensões disformes!

Aquelas voluptuosas solas sujas
de calcanhares inteiramente rachados,
Fazem-me igual aos vampiros e bruxas,
Seres amaldiçoados!

Há uma ignominiosa guerra
dentro de mim,
Contra esta bestial fera,
a uivar sem fim!

Peço então, a redenção
me ajoelho e lambo como reza,
em minha canina abjeção
degusto os pés da mãe, sem pressa.

Medito e percebo então,
Nunca mais encontrarei a paz
Guerra e pés serão
realidades jamais deixadas para trás.

Terra e Paz
André Dia(s/z)?

Vi a criança
nos braços da mãe,
como boneco desengonçado
Qual o valor da vida humana?

Vi o sangue
encharcar a terra,
como chuva do céu
quando os anjos cortaram os pulsos

As feras cravaram as garras
na inocência do menino,
Que jaz como brinquedo quebrado
pelas garras do homem diabo,

Sob seu sangue de querubim,
que ensopando a terra,
enfim, encontra a paz.

 
Na gangorra dos homens
Paulo D’Auria

I
As mãos,
as mãos,
as mães.
A mãe com o filho nos braços está de costas,
a mãe com o filho nos braços é uma pietá de rosto coberto,
a mãe e o filho nos braços feito uma boneca, de pau,
a mãe e o azul do filho morto.

As mães,
as mães,
as mãos.
As mulheres choram com as mãos na cabeça
sobre os cabelos desgrenhados,
As mãos erguidas ao céu em prece
sobre os cabelos rabiscados,
as mãos cobrindo as faces
dessas desgraçadas pietás sem rosto.

A morte vem cavalgando vermelha
sobre seu cavalo rabiscado,
desgraçado,
desgrenhado
à lápis.
A morte cavalgando em seu puro sangue.

II
No balanço do tempo
as crianças alçam voo,
no diabolô do tempo
as crianças se reinventam,
no coro do tempo,
as crianças.

Na gangorra dos homens
e no balanço do tempo.
Na gangorra dos homens,
e no balanço do tempo
o mundo segue seu curso não-inevitável
e as crianças brincam
simplesmente.