em branco

memórias de um jovem rockeiro - 1 - punk da periferia

Desavisado leitor, se vai se embrenhar por esta série de crônicas que começo hoje a publicar, devo alertar: os anos compreendidos entre minha sétima série e o dia de meu casamento são como uma grande gaveta desarrumada da qual vou tirando lembranças ao acaso.
São aí uns vinte, vinte e poucos anos de bagunça mental que vão mais ou menos de 1979 à 1991 e que correspondem ao mítico período da juventude.

Gilberto Gil compôs "Punk da periferia" (Sou um punk da periferia / Sou da Freguesia do Ó, ó, óuóuó / Aqui pra vocês!) em um dia qualquer perdido dentro desta gaveta.
Quando a música começou a pipocar nas rádios, sendo eu da Freguesia, meus amigos de "fora" inevitavelmente me questionavam sobre os punks da periferia.
A verdade é que a Freguesia tinha apenas 3 punks que andavam sempre juntos formando um grupo parecido ao do "Penadinho" do Maurício de Souza: um era manco e usava bengala, o outro era alto e magro e usava óculos, e o terceiro... bem, não me lembro mais do terceiro!

As tribos dominantes na Freguesia eram os "boyzinhos", que seriam os "mauricinhos" de hoje, e os "bicho-grilos", que se vestiam com batas feitas em casa com sacos de farinha ou camisetas brancas de bandas de rock. Eu fazia parte desta segunda tribo.

Creio que não por acaso as camisetas de bandas de rock nesta época eram brancas (e não pretas como hoje em dia), acontece que os "bicho-grilos" não eram apenas rockeiros, mas um pouco de cada de todas as tribos "cabeça" que existem hoje em dia. Nós curtíamos MPB, blues, jazz e qualquer outra música papo-cabeça que caísse em nossas vitrolas.

A grande responsável por esse ecletismo em nosso gosto musical deve ter sido a saudosa Bandeirantes FM. (Se algum dia, por um acaso do des-tino, você ouvir um tal de Billy Bond cantar "Ela levantou, saiu pela porta / Com a mesma saia que ontem usou (...) Mas quero vê-la outra vez / Ouvir Bandeirantes, ler Jornal da Tarde / Esquentar a minha cama", fique sabendo que era a essa Bandeirantes FM que ele se referia. Uma rádio que tocava de Frank Sinatra à Led Zepellin, de Chico Buarque à The Eagles em sua programação normal e ainda tinha programas específicos de música Latino Americana, Jazz etc e tal).

Não sei por onde andam os três punks da Freguesia, ainda moro no bairro, mas nunca mais os vi. Talvez tenham montado uma banda e se mudado para a Austrália onde hoje são celebridades locais, talvez tenham se vendido ao sistema e eu já não os reconheça no ônibus vindo do escritório, a gravata afrouxada, o suor minando de nossas carecas outrora gloriosas porta-estandartes de nossos falecidos ideiais.



Bob Cuspe, personagem do cartunista Angeli

2 comentários:

Rounds disse...

muito legal. me fez lembrar as rádios daqui onde costumava ouvir programas legais de rock e comentar com meus amigos.

conheci muita banda que gosto até hoje através desses programas.

kinks, the zombies e stiff little fingers foram algumas delas.

garotos podres e inocentes, também.

vou acompanhar as outras crônicas.

abs

Paulo D'Auria disse...

Legal!
Vão sair nos 4 domingos do mês!

Abração!