em branco

no mercado municipal



No Mercado Municipal tem barraca de tudo, frutas, verduras, grãos, temperos, carnes.
De segunda à sexta, pra compensar a pouca clientela, todos são amigos:
- Seu Alfredo! Tudo certin?
- Ó, Seu Castro! Tudo muito bem! E a Portuguesinha, hein?
- Vamos indo, vamos indo...
Já aos fins de semana, aquela correria danada, não sobra tempo para amenidades. Todos os sábados, Dona Berta por exemplo, a esposa de Seu Alfredo, o verdureiro, acorre o marido na barraca, que ele não daria conta da clientela sozinho.
Para besteiragens, no entanto, pouco tempo nunca foi entrave. Já não era de hoje que seu Alfredo notava os olhares compridos de Seu Castro, o açougueiro da barraca em frente, para sua esposa.
Aos sábados Seu Castro parecia dar duplo sentido a todas as observações que fazia para seus clientes.
Se um cliente perguntava, “A carne tá fresca?”, Seu Castro esticava os olhos para os lados de Dona Berta e respondia, “Tenra! Tenrinha!”
Seu Alfredo vinha oficinando esses cochichos do diabo há sábados e mais sábados. Mas vigiava a mulher com o canto dos olhos e nunca notou qualquer reciprocidade de sua parte. Então, deixava passar.
Até o dia em que, coincidência ou não, sua Berta voltava do banheiro toda conversinhas com Seu Castro. Seu Alfredo parecia que ia cozinhar um pimentão, ferveu-se por dentro. O tampo da cabeça feito panela de pressão pronta a explodir. Mas se conteve. Não tinha visto nada de mais e não faria cena à toa.
Mas eis que, cinco minutos depois, um cliente pergunta ao açougueiro, “Essa carne não está pálida, não? Não deveria estar mais vermelhinha?”, e seu Castro mandou esta, “Olha, carne vermelha demais é maquiagem, feito baton em mulher, - mulher aparecida, a gente desconfia... Carne é a mesma coisa! A boa é assim, recatada... Branquinha, mas firme!”
O sorriso tímido de Dona Berta parecia refletir o vermelho dos tomates da banca.
Ah, Seu Alfredo não se conteve mais e, em frente à gentarada, à fila para o pastel de bacalhau, aos clientes fiéis e aos desconhecidos, passou a mão numa berinjela e tacou certeira, direto nas ventas de Seu Castro.
- Quequéisso, querido? Ficou maluco?
- Não se faça de desentendida que eu vi! Já percebi tudo entre vocês!
Nesse momento, de posse de um bom naco de coxão-duro, Seu Castro avançava para a barraca de verduras.
O que se viu nos próximos vinte minutos entrou para o folclore do Mercado Municipal, voou pepino, alcatra; alface, picanha; couves e costelas, acelgas e patinho!
E os insultos?
“É muita mulher pra tu, verdureiro! Deixa pra quem gosta de uma boa carne aproveitar!”, Não tenho culpa que casou mal, tem tanta vergonha de sua mulher que nunca a trouxe aqui! Mas já vi a bruaca em fotos! Deus nos livre!”, “O que tem aí é um banquete! Tu não dá conta, não!”, “Ah, se dou! Você é que um safado a cobiçar a mulher alheia!”
Mas nem tudo foi perdido, em meio à batalha de legumes e carnes, muita gente passou a mão na mercadoria que de qualquer maneira acabaria perdida.
Seu Alfredo e Seu Castro passaram a noite na delegacia, onde, ocasionalmente voltam, para responder ao processo por desordem pública que respondem até hoje.
Dona Berta nunca mais voltou ao mercado, morre de vergonha.
Para ajudá-lo com o movimento de fins de semana, Seu Alfredo contratou Cinira.
De segunda à sexta o verdureiro e o açougueiro conversam sobre futebol, violência, trânsito e sobre as qualidades de Cinira. Menina nova, mas de carnes muito bem proporcionadas.
E essa história não para por aqui. Elielson, motoboy, já notou os olhares gulosos de Seu Castro e Seu Alfredo em direção à sua namorada.
Sábado que vem, quando ele vier lhe pegar na saída do trabalho, ela vai comentar, “Ai, sinto-me como uma peça de picanha na vitrine...”

Levem suas sacolas vazias... Vai sobrar coxão mole, filé mignon, rúcula, chicória e escarola pra todo lado!

Um comentário:

Diego Sodré disse...

Paulo, isso foi verdade mesmo?

Que louco!

Tenho que visitar Sampa!

Abçs!