em branco

coração de leão



(por Karla Jacobina)

Todo leonino é carente e todo paulistano finge que não. Os paulistanos escondem a carência por detrás da volumosa juba de orgulho. Atacam, rugem, correm, plantam bananeira, afogam a bananeira, dão nó bananeira, tudo para esconder seus coraçõezinhos de carne, sangue e solidão.
Os reis da selva de pedra, possuem hábitos insones e durante o dia tendem a devorar sua caça numa mesa individual de um fast food. São velozes no trânsito e nas calçadas, usam sapatos de marca e garras na língua. Quando chega a noite, esses reis tendem a se sentir exaustos e mais exaustos ainda em imaginar o longo caminho até seus abrigos. Eles estão, em média, há duas horas e meia, sem trânsito, de seu local de repouso.
A volta para casa é feroz. Após um longo dia de engarrafamento mental, os leões se engarrafam nas ruas. Os leões bem-sucedidos mantêm-se isolados em seus territórios quatro portas, enquanto os leões não tão bem-sucedidos-assim, sobem uns nos outros para dar espaço a mais um conterrâneo no busão.
Como diz a lenda, os leões têm corações imensos e generosos. A lenda só não conta que tal coração se esconde bem no fundo de uma jaula escura. Assim, não compreendem tal destamanho, enquanto não se relacionam com outros corações de leão. No busão, os leões não tão bem-sucedidos-assim têm a oportunidade de explorar terras cardíacas, até então desconhecidas. No amontoado de feras e ferros, os leões se socializam. Como gostam de estar em bando, mas negam que isso seja uma necessidade, o ônibus é um excelente pretexto para tratar a carência crônica leo-paulistana. Esfregam os pêlos de linho uns nos outros, compartilham seus cansaços nas poltronas, trocam maus hálitos e reclamando do motorista e das obras na avenida Santo Amaro, crescem seus corações.
Ao descer no ponto final o leão descobre que seu coração é do tamanho do espaço percorrido entre um leão e outro. Já perto do abrigo, o rei da selva de pedra colhe ramos de humildade no asfalto. Todo leonino é carente e todo paulistano tem coração.

7 comentários:

Anônimo disse...

MEU DEUSSSS! VOCÊ FOTOGRAFOU A ALMA DO BRASILEIROOOO!
PARABÉNS!

Anônimo disse...

Oi Karla.
Gostei muito dessa "bifurcação" leoninos e paulistanos; em um caminho que, depois e antes dela, tem a rua "Globalização" gravad na placa do poste.

abraços
Renato / Das nuvens

Caranguejunior disse...

nosssaa!!!
perfeita descrição...
leões e leões... rugindo cada vez mais alto, esse somos nós.
meros metropolitanos!!
parabéns!!!

Paulo D'Auria disse...

K, vou dizer mais o quê? Sou paulistano, né miná! É isso aí! Perfeito!

Beijos

Bruno Moreira Machado disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bruno Moreira Machado disse...

Texto duma buniteza ímpar.Belo poema-crônica-poética.

Anônimo disse...

Muito bom ! parece um cú !