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Navegação de Cabotagem - Conhecendo Jorge Amado

Os poetas do Tietê visitam a exposição em homenagem a Jorge Amado no Museu da Língua Portuguesa


Seu Jorge Modernista
Fernanda Migliore
Desenho: Fernanda Migliore
Cheiro de peixe maresia nordeste
ar-condicionado, Jorge-Amado
Jorges coloridos arrepio sagrado
teclas política exílios pensamentos
teclas livre - crente - mente mente
Jorge museu globo livro em tela
E eu inocente, sempre Gabriela.


Embriaguez
Paulo D'Auria
Imagem: Exposição sobre Jorge Amado no
Museu da Língua Portuguesa
Não conheci Jorge Amado quando pisei nas pedras tortas do Pelourinho, quentes ainda da fogueira de 1694 exemplares de suas obras.
Não conheci Jorge Amado quando entrei em sua casa azul-turista, quando dormi no pé da Farol da Barra, quando assisti à novela, quando visitei a Academia Brasileira de Letras.
Não, não conheci Jorge, o Amado em nenhuma dessas ocasiões, de certo que andava ausente, ele ou eu, dos fatos presentes e de menor importância.
Fui conhecer Jorge Amado ontem, uma vela vermelha e outra preta acesas iluminando a encruzilhada e a meia-noite de fria garoa paulistana, quem diria. Veio rindo e abraçado a Prestes, o cavaleiro.
Na hora de falar comigo, Prestes postou-se dois passos atrás de Jorge. Não ria, e seu olhar sisudo, contrastante com o ar bonachão de Jorge, avisava: não era hora de o conhecer.
Jorge agradeceu o charuto e a cachaça, armou uma cara entre a troça e a sabedoria, e disparou: “Deus sorri como um negrinho”.
Paralisado pelo encontro inesperado, fiquei olhando os amigos irem embora cambaleantes. Já iam na outra esquina quando Jorge se volta para trás e grita, “Na próxima entrega traz um licor de violeta pra Zélia!”
Jorge riu, e ainda tive tempo de ver seu riso alvar se desmanchar no ar.

Cama de Pregos

Tela: "Paisagem", de Carlos Zilio, 1974

Fajuto Faquir
Paulo D'Auria

Fosse um faquir
fajuto e roto
com meus duzentos quilos
os pregos não respeitariam minha pele
os pregos não respeitariam minha filosofia
ocidental
baseada em morrer
cedo
e doente
e lentamente

Fosse um faquir
falso
os pregos não respeitariam minha carne
praticando o sangramento
a purificação
feito facas
de um curandeiro turco (fake indiano)
no interior do recôncavo baiano
num romance de Jorge Amado
esfolando
um personagem secundário
e obscuro

Fosse um faquir
vivendo em fausto vazio
os pregos não respeitariam minha alma
surpreendendo-a pelos desvãos do desvio
de meu corpo inchado
e a sacrificariam
num varal de charque
voltado para a Meca

Encosto a cabeça em meu travesseiro de pregos
e durmo meus pesadelos tranquilo
porque é assim
o desassossego
dos justos

Maldita Condição
André Dia(s/z)?

Tentei te amar
num colchão de algodão
e lençóis de paixão
suaves como cetim,
Cama de pregos é o que me resta
refestelado sob pele rasgada
a dor do desprezo me mutila,
Testículos perfurados,
e eu não me movo
consciente que sou merecedor.
Reto e uretra são uma só chaga,
Sangue e dejetos são chorados
pelo olho que é o buraco
que é o meu corpo agora,
Sou um vazio exposto,
exposto aos olhos do mundo,
olhos estes que se fecham
à passsagem do homem-retalho
que um dia ousou
assumir sua maldita condição
de poeta.