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Falsificando Nelson Rodrigues

Fotografia: Pierre Verger
 "Para os meus três anos, o mar, antes de ser paisagem, foi cheiro. Não era concha, nem espuma. Cheiro. Meu pai, antes de ser figura, gesto, bengala ou pura palavra, também foi cheiro. Ninguém tinha nome na minha primeira infância. A estrela-do-mar não se chamava estrela, nem o mar era mar. Só quando cheguei ao Rio, em 1916, é que tudo deixou de ser maravilhosamente anônimo." Nelson Rodrigues


Carolina Hermanas

Antes de ser mar, antes de ser água, também fui cheiro. Antes de ser escritor, aspirante a fumante, também fui cheiro. Antes de ser criança e espectador, também fui cheiro. Mas quando fui jornalista,assim como meu pai, cronista e dramaturgo, virei pó.
Antes de não ter pai, fui pó. Antes de não conhecer a repugnância democrática, fui pó Mas antes mesmo de ser quem eu não achava quem era, fui vento. Fui cheiro de vento.



Fotografia Pierre Verger
"Também me vejo na calçada da rua Alegre. Os mesmos seis anos. Sou pequenino e cabeçudo como um anão de Velasquez. E me fascinava ir de uma esquina a outra esquina, sempre pelo meio-fio. Eu me equilibrava, no meio-fio, como se este fosse fino e vibrante como um arame." Nelson Rodrigues


Paulo D'Auria

Nelson veio do mar. Ostra que onda largou na areia e, aos humores do sol submetida, partiu. Da concha quebrada pulou o menino-homem que trazia na boca o afogamento do mar. Por isso Nelson não ria. E não viria a rir nem quando o homem pulou, quebrado o vaso-menino num ricochete adúltero de tiro, do útero-mundo.
Nelson veio do mar. Espécime não classificado de anjo caído entregue à areia de Copacabana por Ogum. Na boca o afogamento germinal de todos os homens, guelras nos olhos, adaptou-se a esse não-respirar não precisando olhar no fundo dos olhos dos homens para desvendar sua alma, conhecia a sujeira do mar. A sujeira do mar profundo.
E no assombro do afogamento da vida, Nelson sem querer enganou a morte. Morreram Roberto, Mário, Joffre, Paulo. A tragédia era a sua casa, viera ao mundo numa manhã de ressaca: a ele bastava voltar para o mar.
Nelson veio do mar e no mar agora respira a fumaça de um milhão de cigarros ordinários que lhe traz Exu, seu revisor e amigo, com quem trava longas discussões morais. Dissolve as bitucas na translucidez do mar profundo fazendo papel para o jornal do dia. Não precisa mais de escafandros, está em seu ambiente inatural. A sujeira da humanidade boia dois círculos acima. Ri gargalhadas, faz sexo com amor e cata na máquina os grãos do editorial do amanhã.




Fotografia Pierre Verger
 "O brasileiro tem tão formidável potencial de fé que pode aplicá-lo por toda parte. E, súbito, nos tiram a vida eterna. Não há mais sobrenatural, não há mais nada. Estamos reduzidos aos quinze minutos da vida terrena. Vamos e venhamos: esse quarto de hora não basta para a nossa fome. Sem a sua eternidade, o brasileiro anda por aí, errante e desgraçado." - Nelson Rodrigues


Marcelo Tadeu

Na complexidade da vida
Onde é tão difícil perceber
Acredite se quiser
Ele escreveu
A vida como ela é