(Ferrari)
— É hoje? — eu perguntava, todos os dias ao acordar. Uma vez a cada sete dias a resposta era afirmativa. Pra mim, além de afirmativa, era o dia do suquinho. Só de pensar, meu estômago lambia os beiços. Logo me voluntariava a carregar as sacolas pra minha mãe. Uma vez na feira, eu conversava telepaticamente com o líquido dentro da caixa de isopor, lambendo-o com a língua da imaginação. Quando finalmente passava diante da barraca do suquinho, apontava pra caixa e salivava:
— Mãeinhê! Compra?
— Credo, filho! Isso aí é xixi com tinta! — retrucava a mãeinhê.
Podia ser até veneno! Meu sonho era sentir aquele xixi gelado deslizando goela abaixo. Mas sobre a radiação seca do asfalto, a bruxa transformava o suquinho em caldo de cana. O suborno verde até que não era ruim, mas, além da cor fosca, vinha num copo sem graça e não dentro de foguetes, carros, telefones celulares, como o suquinho. Eu engolia o caldo ocre resignado.
O tempo atropelou minhas lombrigas e deixou apenas o gosto da frustração e esta história que, certo dia, contei pra um amigo. E ainda bem que contei, pois por coincidência, milagre ou misericórdia divina, não é que meu amigo encontrou o tal suquinho numa mercearia! Ele comprou um roxo, em formato de carro e foi até em casa no mesmo dia. Era um Fusca. Ainda estava gelado quando me entregou. Meus olhos ficaram mais úmidos do que minhas mãos. Numa espécie de terapia de vida passadas, me sentei no chão e comecei a morder o pára-choque do suco. Quando o plástico se rompeu, espremi todo o líquido goela abaixo, até terminar a catarse.
— E aí, gostou? — perguntou meu amigo.
— Parece xixi com tinta! — respondi satisfeito.
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Um comentário:
Difícil saber qual parte gotei mais! "tempo atropelou as minhas lombrigas"... "o meu estômago lambia os beiços"... !!!! d+
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