Na Papoetaria do dia 29/10, o tema foi o poeta como espectador da cidade. O conto "Um Homem na Multidão, de Edgar Alan Poe, nos serviu de inspiração.
Um Homem na Multidão (trecho)
Há não muito tempo, ao fim de uma tarde de outono, eu estava sentado ante a grande janela do Café D. . . em Londres. Por vários meses andara enfermo, mas já me encontrava em franca convalescença e, com a volta da saúde, sentia-me num daqueles felizes estados de espírito que são exatamente o oposto do ennui; estado de espírito da mais aguda apetência, no qual os olhos da mente se desanuviam e o intelecto, eletrificado, ultrapassa sua condição diária tanto quanto a vívida, posto que cândida, razão de Leibniz ultrapassa a doida e débil retórica de Górgias.
Com o charuto entre os lábios e o jornal sobre os joelhos, divertira-me durante grande parte da tarde, ora a meditar os anúncios, ora observando a companhia promíscua reunida na sala, ou ainda a espreitar a rua através das vidraças enfumaçadas(...)
Longe de Seu Tempo
Marcelo Tadeu
Um velho
Vestido de terno e chapéu
Num calor imenso
No ônibus desejou bom dia a todos
Cedeu lugar para uma mulher sentar
Aos olhos de todos
Mais um louco
Puxava conversa com qualquer um
Como se conhecesse a tempos
Sorria contava piadas
Como se todos fossem íntimos
Aos olhos de todos
Mais um homem querendo aparecer
Aos meus olhos
Um velho carente
Em busca de atenção e alento
Ou talvez um homem
Longe de seu tempo
Abraço de Graça
Carolina Hermanas
Objeto pequeno rodopiando sozinho,
Roda, roda, roda e para.
Sorriso inventado
Se desmanchando sozinho,
Sorri, sorri, sorri e para.
Olhos feito túnel,
Mãos feito fada,
Corpo pequenino,
Sorriso inventado
Agarra minhas pernas,
Olha feito cachorro abandonado,
Implora por um pouco de abrigo,
Sorriso inventado
Me mostra a moeda,
Me mostra uma careta,
Joga os braços pelo ar,
Sorriso inventado
Qual o valor de uma moeda?
Qual o valor de um sorriso?
Qual o valor de um carinho?
Pensa, pensa, pensa e para.
Numa Camisa Amarela
André Dia(s/z)?
Eu vi a senhora
que passou rapidamente
passaria despercebida
não fosse a camisa amarela
destacando os seios flácidos a balançar.
Pensei em quantas bocas
já sugaram aqueles seios,
Seriam apenas
as sugadas inocentes dos bebês?
Ou também
as sugadas lascivas dos homens?
Aqueles seios
já teriam produzido leite?
Homens já teriam
esguichado leite naqueles seios?
Ela se foi,
se esvaneceu na multidão,
e o que ficou apenas
foi aquele par de seios flácidos
numa camisa amarela.
Quero vê se essa semana passo lá na universidade
Paulo D’Auria
lab lab lab
sílaba cilada sibila
no lab bab blab
labirinto trans trans
trans for má tico au tô má ti co
da cidade
“— Velho dos infernos! 74 latas, dois e vinte?!”
“— Ô Marilda”
GRITOS DE CRIANÇA
“— Vamo comê manga?”
labirinto cíclico
casal numa pista de dança
ônibus que repetisse sempre o mesmo trajeto
com uma pequena variação decimal (deu o sinal?)
chegando hoje a um lugar poucos centímetros distante de ontem
abrindo o círculo
circulando o circo
“— Tamires, vem cá!”
“— Vô pegá água”
ÔNIBUS FREANDO NA AVENIDA
“— Deixa o gato aí, viadinho”
“— Olha essa que vermelha!”
“— Quero comprá mais um negócio pra mim”
ÔNIBUS ACELERANDO NA AVENIDA
“— Quero vê se essa semana passo lá na universidade”
universo idade verso cidade inverso sub merso
lab lab tran si cidade lab lab
ratos que não aprendo
ex exp exposta experiência ciência sem resposta
condiciona dor (de ar de cabelo etc)
procurando a saída desta caixa esquina
lab bab bla bla bla
descre vendo sempre os mesmo círculos com cem trincos
a saída mas
a saída mas nunca
a saída mas nunca sem
a saída mas nunca sem dar uma
a saída mas nunca sem dar uma cabeçada
“— É nunca não! É nunca não!”
“— Quero vê se essa semana passo lá na universidade...
lá tem um pé carregado...
...senão!”
2 comentários:
Só sendo poeta mesmo, pra ficar prestando atenção nessas coisas...
Ô bicho curioso!!
Boa poetas!
Abrax!
Um homem na multidão...Valeu.
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