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lindabelle sabia que era amor


"Roda de Bicicleta", de Marcel Duchamp

Lindabelle sabia que era amor. Morava na pensão há três anos, desde que arrumara este emprego de caixa no supermercado e trancara a faculdade. Pensão-supermercado-faculdade trancada, esses três elementos eram o símbolo de sua liberdade. Um descontentamento qualquer, porém, a incomodava.

Lindabelle sabia que era amor. Quando saiu de casa, batendo pé, fechando a cara, pensara, “Eu volto! Eu volto realizada e esfrego na cara deles!” Mas nada acontecera. Também, não planejara nada. Planejara apenas ser feliz. E tinha sido feliz. Um descontentamento qualquer, porém, a incomodava.

Instintivamente sabia há muito tempo o que sempre quis da vida. Por isso saiu de casa, por isso trancou a faculdade, por isso o descontentamento. Queria ser esposa.
Nesse meio tempo Entregara-se à meia-dúzia de homens de praxe que os seus vinte cinco anos comportavam. Mas, agora, Lindabelle sabia, era amor!

Conheceu Erisson na academia, na aula de Power-bike, trocaram olhares por duas semanas e logo estavam namorando.
Erisson, dois anos mais novo que ela, dirigia um carro 1.0 que o pai lhe deu de presente por entrar em Administração de Empresas. Assim como ela, não fazia planos.

Não fazia planos, eu disse? Do dia para a noite Lindabelle descobriu-se planejando seu casamento. As tantas dúzias de margaridas, o buquet de flores do campo, o vestido assim-assado.
Os novos planos não passavam de uma reedição do velho sonho engavetado de sua vida. E não precisava mais se envergonhar, porque agora, ah!, agora era amor!

Da casa dos pais para a pensão só levara 3 coisas: uma mala de roupas, sua Caloi-Ceci, e a coleção de Revistas “Noiva”. Mais de 100 exemplares cuidadosamente conservados.
A coleção nunca deixou de crescer, na medida de um exemplar por mês. As roupas da velha mala, já trocara todas. A bicicleta não usou nunca mais.

Nunca mais até o domingo em que Erisson inventou de ir pra Santos. Quatro sanduíches de presunto no pão integral, duas Cocas e seis latinhas de cerveja na geladeira de isopor, e a bicicleta dobrada no porta-malas.
Do alto da serra, Lindabelle pode ver o mar se esparramando no mundo. A manhã azul, azul. Suspirou-se toda por dentro e deitou no ombro direito de Erisson.

Na areia, os sanduíches rodando no estômago recheado de cerveja, Erisson sentia-se completamente satisfeito enquanto Lindabelle tentava se reequilibrar na velha bicicleta, “Nunca mais se esquece, uma ova!”

Fosse amor ou não fosse, casamento ou estatística, olhando o Erisson arrotar sua plenitude, Lindabelle percebeu que o descontentamento nunca mais abandonaria sua vida, porque a vida simplesmente escapara de suas mãos.

Deu três pedaladas sem cair, sorriu, embalou. O vento no rosto desanuviou os pensamentos turvos, e, por um instante perfeito, sem passado e sem futuro, Lindabelle foi absoluta e plenamente feliz.
Como só quem reaprende a andar pode ser.

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